Por que contadores deveriam delatar seus clientes? – Impasses da Resolução CFC nº 1.445/13

Posted by Clayton Teles das Merces on 1 outubro 2013 in Sem categoria |

Recentemente, foi publicada a Resolução CFC nº 1.445/13, que regulamenta a atuação dos profissionais da área contábil para o cumprimento da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei n.º 9.613/1998) alterada pela Lei 12.683/12. Dessa forma, pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, devem comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) operações consideradas suspeitas.

A polêmica aumentou recentemente depois que o Coaf baixou cinco Resoluções (21 a 25), com normas para setores específicos, estipulando o que são operações suspeitas e a forma em que devem ser comunicadas. Mas os profissionais liberais são organismos submetidos ao Coaf? A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a nova lei, pedindo que advocacia seja excluída das categorias profissionais obrigadas a prestar informações sobre seus clientes.

O Conselho Federal de Contabilidade (CFC), todavia, vem acatando de forma catequizada todas as disposições legais e administrativas. O Conselho deve compreender que a regulamentação é necessária para proteger o contador – e não para expô-lo. A nova lei atribuiu aos contadores à responsabilidade de fiscalizar e denunciar seus clientes. Na prática, o que esses dispositivos introduziram foi um mecanismo de delação generalizada, que o Conselho Federal de Contabilidade incorporou em sua Resolução sem nada questionar.

E quem deverá verificar a “fidedignidade” das informações dos clientes? Quem precisará comunicar “imediatamente” ao Coaf as “operações suspeitas”? Quem arcará com o custo de manter o registro de todos os serviços que prestarem e de todas as operações que realizarem – lembrando que a existência de “bancos de dados públicos e privados não substituiu nem supre a exigência de manter seu próprio registro”?

A resposta é simples: o Contador. E os interesses de quem o Conselho Federal de Contabilidade deveria defender…?! Não poderia a nova Lei de Lavagem de Dinheiro criar obrigações para os que os contadores determinem a violação dos dados de seus clientes em 24 horas, sob pena de multa ou cassação de seu registro.

O nível de subjetividade é tamanha que o Contador deve comunicar ao Coaf as operações que “não sejam claramente aferíveis” (art. 9º, II) ou que haja “resistência do cliente ao fornecimento de informações” (art. 9º, VII). Isso significa que – por medo – acabarão comunicando até operações que não possuem caráter ilícito para evitar qualquer tipo de retaliação.

É absolutamente louvável que a nova lei vise combater a lavagem de dinheiro, como tentativa de se combater outras práticas delitivas de grande potencial lesivo ao país, ao sistema financeiro e aos cidadãos como o narcotráfico, a sonegação fiscal, a corrupção pública, os crimes de sequestro, entre outros. Entretanto, o combate ao crime de lavagem de dinheiro não pode ser realizado ao arrepio das normas constitucionais.

É extinguir as regras deontológicas básicas das relações profissionais entre contadores e clientes. Sem a relação de confiança mútua, é impensável que o contador realize sua atividade. As imposições legais enfraquecem esse instituto, uma vez que o contador deverá se preocupar em ser um dos agentes fiscais de lavagem de dinheiro, devendo comunicar inconsistências a terceiros – como regime regular da sua atividade -, ainda que não se trate de uma suspeita legítima de prática de ato delituoso.

Em circunstância nenhuma os contadores poderiam vir a ser incumbidos de denúncia dos seus clientes, nem sob os inocentes auspícios de se tratar “apenas” dos atos que o legislador teve por propícios à lavagem de dinheiro. Os Contadores não são agentes de investigação, algozes de seus clientes: a postura que se lhes pretende imputar é a negação mais absoluta da confiança que a sociedade deposita.

Uma coisa é recusar a realização de uma operação. Outra completamente diferente é a delação. Um contador deve recusar fazer operações consideradas ilícitas. Mas imputar a responsabilidade como partícipe de crime, imputando severas penas por não denunciar seu cliente é extrapolar os limites da responsabilidade profissional. Seria rebaixar a atividade contábil a um torpe instrumento do poder, ainda que sob a roupagem de “busca pela verdade” – tantas vezes tentação totalitária (que já serviu historicamente para outras violações).

O que se verifica, na realidade, é a uma verdadeira obsessão nessa matéria face à declarada impotência das entidades investigadoras. E, aparentemente, admite-se que tudo poderá vir a ser lícito para obter a desejada eficácia – responsabilizando inclusive o Contador, com base nas próprias disposições do Conselho que deveria defender os profissionais da área contábil.

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