Uma análise acerca da importância da contabilidade para a agricultura familiar
1. Introdução
A atividade rural possui origem bastante antiga, numa fase de transição da espécie humana, no inicio da civilização, período em que o homem deixava de ser nômade e começa a se tornar sedentário. Hoje, essa atividade se coloca numa fase de mudança, com a inserção de novas tecnologias, métodos de plantios e melhoramentos genéticos.
No Brasil, dado a extensão territorial, o clima tropical e ao solo fértil, a atividade agropecuária tem grande representatividade econômica e social, pois é responsável por uma participação considerável no Produto Interno Bruto do país.
Sob olhar específico na atividade agropecuária, observa-se que a agricultura familiar se faz presente no contexto dessa atividade, com grande importância na economia e na cadeia produtiva nacional. Assim, legislações e políticas econômicas e sociais são implementadas por agentes governamentais, como forma de incrementar esse segmento, garantindo a geração de emprego e renda no campo.
A contabilidade, enquanto ciência que busca o controle patrimonial, gerindo custos, apontando despesas e receitas e apurando resultados, possibilita ao gestor opções de escolha em decisões cujo teor é a aplicação e o retorno dos recursos financeiros. De modo que o estabelecimento rural, em face do seu caráter patrimonial, tratado como instituição produtiva, deve fazer uso dos benefícios que a contabilidade propicia, para tornar a atividade ainda mais rentável, com uma eficiente aplicação de recursos.
Posto isto, temos como objetivo do presente artigo, evidenciar a importância da contabilidade para o desenvolvimento da agricultura familiar. Para tanto, adota-se como metodologia, a revisão bibliográfica, incluindo esta, artigos, livros e legislação vigente.
2. A atividade agropecuária
É notável a importância que a atividade da agropecuária tem para sociedade, pois está diretamente ligada a produção de alimentos, item essencial a manutenção da vida humana, tratando-se de uma necessidade de cunho fisiológico. De acordo com Sampaio (2009, p. 13), “são sete as necessidades básicas, expostas em ordem de preponderância: fisiológicas, de segurança, de pertença e amor, de estima, de autorrealização ou autoatualização, o desejo de saber e entender e as necessidades estéticas”.
Conceitualmente, a agropecuária é a junção de duas atividades, a agricultura e a pecuária, cujo significado está relacionado à produção de alimentos advindos do cultivo de vegetais e da criação de animais, respectivamente. De acordo com o dicionário Aurélio (1986, p. 65), agropecuária é a “teoria e prática da agricultura e da pecuária, nas suas relações recíprocas”.
A preocupação da sociedade com a questão alimentar esteve e continua presente, sendo demonstrada através de estudos científicos, a exemplo do teórico Thomas Robert Malthus, que em 1798 publicou sua teoria que apontava para uma futura escassez de alimentos. Segundo Malthus a população cresceria de forma geométrica enquanto que a quantidade de alimentos cresceria de maneira aritmética. Entretanto, essa teoria não se confirmou, já que no decorrer do tempo, algumas condições não se concretizaram e outras surgiram, tal como as inovações dos mecanismos produtivos.
Hoje, sabe-se que suas previsões não se concretizaram: a população do planeta não duplicou a cada 25 anos e a produção de alimentos cresceu no mesmo ritmo do desenvolvimento tecnológico. Mesmo que se considere uma área fixa de cultivo, a produção (quantidade produzida) aumenta, já que a produtividade (quantidade produzida por área – toneladas de arroz por hectare, por exemplo) também aumentando sem parar (SENE e MOREIRA, 1998, p. 337).
No Brasil, atualmente, a agropecuária além de ser a principal origem da alimentação, possui significativa importância para a economia nacional, aliada a indústria, comércio e serviços. Em 2010, até o primeiro semestre, o Produto Interno Bruto (PIB) da atividade agropecuária apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), registrou uma parcela de R$ 97,4 bilhões do PIB total. No acumulado do ano de 2009, o PIB registrou R$ 163.953 bilhões(1).
Com a importância da atividade agropecuária para civilização atual e objetivando um alargamento da produção, verifica-se uma constante preocupação com relação à sofisticação do processo produtivo, com a finalidade de maximizar os resultados da atividade, aplicando os meios de maneira cada vez mais eficiente. Deste modo, imbuídos nesse processo de modernização, é que órgãos governamentais e instituições privadas, buscam através de pesquisas, desenvolverem melhores produtos, resistentes às modificações climáticas e às doenças de origem vegetal e animal, que atacam culturas e matam animais.
A produção agrícola no modelo tradicional não exige condições especiais para produzir, mas só consegue apresentar baixo rendimento. Esse modelo é incompatível com os tempos de competição aberta e globalizada. O cenário mudou bastante a partir do momento em que não é suficiente conseguir produzir bons produtos. A abertura externa e a globalização contribuíram para disponibilizar máquinas e equipamentos, sêmens, sementes, fertilizantes e defensivos com tecnologia de ponta aos agricultores e quase todo o mundo…(SANTO, 2001, p. 51).
Num aspecto geral, a atividade agropecuária brasileira possui dentro da sua cadeia produtiva a agricultura familiar, cuja representatividade é de considerável importância para o setor da economia primária nacional, sendo ainda, possuidor de características singulares no processo produtivo.
2.1 A Agricultura Familiar no Cenário Atual
A agricultura familiar, como categoria pertencente à estrutura produtiva do setor agropecuário brasileiro, possui relevante importância para economia nacional, seja como gerador de emprego e renda, seja como fonte de alimentação para a população. Por vias econômicas, pode-se evidenciar que, de acordo com Ministério do Desenvolvimento Agrário, MDA (2010, p. 12), “enquanto a agricultura patronal gera a cada ano R$ 358,00 por hectare, a agricultura familiar alcança R$ 677,00 por hectare. Portanto, 89% mais produtiva. As cadeias da agricultura familiar, hoje, respondem por 10% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro” (grifos do autor).
Como forma de conceituar o agricultor familiar, a Lei 11.326 de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, em seu artigo 3º, utiliza como parâmetros alguns requisitos essenciais para seu enquadramento, a saber:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I – não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
II – utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III – tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento;
IV – dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
§ 1º O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica quando se tratar de condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração ideal por proprietário não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais.
§ 2º São também beneficiários desta Lei:
I – silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes;
II – aquicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo e explorem reservatórios hídricos com superfície total de até 2ha (dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede;
III – extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput deste artigo e exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores;
IV – pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo e exerçam a atividade pesqueira artesanalmente.
No Brasil, as propriedades rurais estão divididas de acordo com o seu tamanho, podendo ser de pequeno, médio e grande porte, além de possuírem diversas formas de exploração. Para efeitos de mensuração do tamanho das propriedades para aplicação da Lei 11.326/06, utilizam-se os módulos fiscais de terra, que é uma unidade de medida em hectares. Conforme consta no artigo 50, § 2º da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), os módulos fiscais são estabelecidos para cada município da federação, onde se leva em consideração alguns fatores, como:
O tipo de exploração predominante no município; a renda obtida com a exploração predominante; outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam significativas em função da renda ou da área utilizada; e o conceito de propriedade familiar.
De acordo com o artigo 4º da Lei 8.629 de 25 de fevereiro de 1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal, a pequena propriedade é aquela que possui de 01 (um) a 04 (quatro) módulos fiscais e as médias propriedades são aquelas cujo tamanho compreenda área superior a 04 (quatro) e de no máximo 15 (quinze) módulos fiscais. Assim, as grandes propriedades são aquelas que possuam área superior a 15 (quinze) módulos fiscais de terra.
Entretanto, nem todas as propriedades de pequeno porte são compreendidas no programa de agricultura familiar, já que devem estar enquadradas em todos os requisitos previstos na Lei 11.326/06. Contudo, quando a propriedade passa a integrar o segmento da agricultura familiar, torna-se beneficiário de diversos programas sociais e políticas públicas específicas, a exemplo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que é uma política pública de crédito rural, que possui a função de buscar o desenvolvimento sustentável rural, através do fortalecimento da agricultura familiar.
O modelo que compõe a agricultura familiar possui certas peculiaridades, tais como, o fato de que o operário da terra é também responsável pela gestão da atividade e a busca pela manutenção de um sistema diversificado, com a utilização mais racional dos recursos, dando ênfase a uma melhor qualidade de vida.
O modelo familiar teria como característica a relação íntima entre trabalho e gestão, a direção do processo produtivo conduzido pelos proprietários, a ênfase na diversificação produtiva e na durabilidade dos recursos e na qualidade de vida, a utilização do trabalho assalariado em caráter complementar e a tomada de decisões imediatas, ligadas ao alto grau de imprevisibilidade do processo produtivo (FAO/INCRA, 1994).(2)
Como mecanismo de afirmação do grau de importância da agricultura familiar para o contexto atual da nação, o IBGE constatou através do Censo Agropecuário de 2006, realizado em todo Brasil, a disparidade entre os dados de estabelecimentos explorados e não explorados pela agricultura familiar, mensurando e demonstrando o grau de significância desse segmento no universo agropecuário brasileiro.
Contudo, em âmbito nacional, de acordo com o censo agropecuário, existem 4.367.902 estabelecimentos explorados pela agricultura familiar, ocupando um território de 80,25 milhões de hectares, ou seja, 24,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários. A exploração desse território se dá pela utilização de 45,0% do total com áreas de pastagens, 28,0% ocupadas por matas, florestas ou sistemas agro-florestais e 22,0% ocupadas com lavouras.
Quando se refere à produção das propriedades utilizadas pela agricultura familiar, o resultado da exploração para todo país, de acordo com o censo agropecuário do ano de 2006 é significativo, pois aponta que é responsável pela produção de 70,0% dos alimentos consumidos pelos brasileiros. Contudo, a produção dos estabelecimentos familiares responde por 87,0% da produção de mandioca, 70,0% da produção de feijão, 46,0% do milho, 38,0% do café, 34,0% do arroz, 58,0% do leite, possuíam 59,0% do plantel de suínos, 50,0% do plantel de aves, 30,0% dos bovinos, e produziam 21,0% do trigo. A cultura com menor participação da agricultura familiar foi a da soja com 16,0%, um dos principais produtos da pauta de exportação brasileira. De acordo com o MDA (2010, p. 105), “apesar de ocupar uma área menor de plantio e pastagens, a agricultura familiar é a principal fornecedora de alimentos básicos para a população brasileira, como o feijão (70%), leite (58%), mandioca (87%), milho (46%), aves (50%) e suínos (59%)”.
Do ponto de vista da geração de emprego e renda, a agricultura familiar é responsável pela ocupação de 12,3 milhões de pessoas, sendo que dois terços desse total são compostos por homens e um terço por mulheres. Outro dado expresso no mesmo censo agropecuário, é que 90% das pessoas ocupadas possuem relação de parentesco com o produtor rural.
Quando se trata de geração de receita advinda da agricultura familiar, o censo aponta que esse segmento da atividade agropecuária, corresponde a um terço da renda produzida pelos estabelecimentos agropecuários no Brasil. Do montante total da receita apurada para o segmento da agricultura familiar, 67,5% advém da venda de produtos vegetais, 21,0% da venda de animais e derivados e as demais receitas, da “prestação de serviço para empresa integradora” e de “produtos da agroindústria” familiar.
A importância da agricultura familiar é evidenciada pelo fato de participar da produção de itens integrantes da cesta básica alimentar do brasileiro, além de ser responsável pela geração de emprego e renda no meio rural, provocando a distribuição dos recursos financeiros.
Num outro aspecto, o agricultor familiar além de ser o explorador do estabelecimento rural, que é composto pela terra, pelos animais, máquinas e equipamentos, e estruturas utilizadas para desenvolvimento da atividade, emprega nesta, sua força de trabalho e de seus familiares, aliado a responsabilidade pelo gerenciamento das rotinas administrativas do estabelecimento.
Como o próprio nome diz na agricultura familiar o trabalho e a gestão, ou seja, a administração é predominantemente familiar. Não é contrariamente ao que dela se diz com freqüência, um simples reservatório de mão-de-obra pelo contrario alem de fixar o homem no campo contribui para o desenvolvimento do setor. Temos que romper com a identificação automática entre agricultura familiar e pobreza ela não pode ser tomada como sinônimo de pequena produção (FERNANDES, 2009).
Dessa forma, há de se verificar que os agricultores familiares também buscam melhorar o desempenho de suas propriedades, através de novos mecanismos produtivos, tendo em vista que, a globalização está presente no meio rural e que existem políticas creditícias governamentais mais simplificadas para a agricultura familiar, facilitando o acesso a essas novas tecnologias.
O sistema brasileiro de crédito, com a participação direta de instituições financeiras públicas, incluiu mais de um milhão de novas famílias, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, as mais pobres do País. Hoje, os agricultores familiares tornaram-se clientes preferenciais da rede bancária que opera com as linhas do Pronaf. São mais de dois milhões de contratos por ano (MDA, 2010, p. 11) [grifos do autor].
Assim, mesmo com persecução do agricultor familiar pela melhoria do desempenho do seu estabelecimento rural, existe um desafio a ser enfrentado com a baixa qualificação da mão-de-obra, pois de acordo com o Censo Agropecuário de 2006, dos 12,3 milhões de pessoas ocupadas na agricultura familiar, apenas 170 mil pessoas possuem qualificação profissional.
3. A contabilidade rural
No meio urbano, a contabilidade é um instrumento comumente aplicado, pois na maioria das vezes, se trata de uma obrigatoriedade legal para as empresas, além de ser uma ferramenta imprescindível no processo de controle e de planejamento da entidade. Possui notável importância para o administrador, pois serve de base para o processo de tomada de decisão. No meio rural, pode-se encontrar a contabilidade rural com os mesmos fins, mas com algumas diferenças.
Há de se observar que, no Brasil a contabilidade rural ainda é uma ferramenta pouco utilizada pelos produtores rurais, que a consideram de aplicação difícil, além do vasto entendimento de que sua aplicação é voltada para sanar as obrigações fiscais.
Uma das ferramentas administrativas menos utilizadas pelos produtores brasileiros é, sem dúvida, a Contabilidade Rural, vista, geralmente, como uma técnica complexa em sua execução, com baixo retorno na prática. Além disso, quase sempre é conhecida apenas dentro das suas finalidades fiscais. A maioria dos produtores sujeitos à tributação do Imposto de Renda não mostra grande interesse por uma aplicação gerencial, relegando toda sua Contabilidade a profissionais da área contábil (CREPALDI, 1998, p. 73).
A contabilidade rural é um instrumento utilizado com a finalidade de controlar, estudar, interpretar, registrar e prestar informações acerca das variações patrimoniais das entidades rurais, assim como a contabilidade geral. Segundo Calderelli (2003, p. 180), a contabilidade rural é “aquela que tem suas normas baseadas na orientação, controle e registro dos atos e fatos ocorridos e praticados por uma empresa cujo objeto de comércio ou indústria seja agricultura ou pecuária”.
A entidade rural, assim como a comercial ou industrial, é uma unidade produtiva, cujo produto final está relacionado à cultura agrícola, seja animal ou vegetal. Contudo, para que a atividade rural alcance seus objetivos são necessários três fatores, o capital, o trabalho e o mais importante para atividade agropecuária, que é a terra, pois é nela que são aplicados os dois fatores anteriores.
O fator de produção mais importante para a agropecuária é a terra, pois na terra se aplicam os capitais e se trabalha para obter a produção. Se a terra for ruim ou muito pequena, dificilmente se produzirão colheitas abundantes e lucrativas, por mais capital e trabalho de que disponha o agricultor. Desse modo, uma das preocupações fundamentais que deve ter o empresário rural é conservar a capacidade produtiva da terra, evitando seu desgaste pelo mau uso e pela erosão (CREPALDI, 1998, p. 23) [grifo nosso].
O fator capital compreende o conjunto de bens patrimoniais colocados sobre a terra com o objetivo de torná-la produtiva, tais como, as benfeitorias (casas, galpões, currais, galinheiros e outros), animais de produção e de trabalho, máquinas e implementos agrícolas e insumos de produção agropecuária.
A unidade produtiva rural pode ser explorada através de pessoas físicas ou jurídicas, com a predominância de pessoas físicas, pois a carga tributária incidente na atividade é consideravelmente menor. Conforme Marion (2000, p. 27), “no Brasil, prevalece a exploração na forma de pessoa física, por ser menos onerosa que a de pessoa jurídica, além de proporcionar mais vantagens de ordem, principalmente em relação a pequenas atividades”.
Contudo, a utilização da contabilidade rural nem sempre é obrigatória, já que a obrigatoriedade para a escrituração se dá com base nos requisitos do art. 1.179 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil.
Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
§ 1o Salvo o disposto no art. 1.180, o número e a espécie de livros ficam a critério dos interessados.
§ 2o É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.
De acordo com o art. 970 da Lei 10.406, “a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes”.
Assim, o produtor rural de pequeno e médio porte, pessoa física, não precisará escriturar em livros contábeis os fenômenos patrimoniais, para realizar a apuração do Imposto de Renda, sendo necessária, a utilização do livro Caixa, que é uma forma simples de contabilização, onde se registra apenas as entradas e saídas de recursos financeiros. A Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal sob nº 83/2001, que dispõe sobre a tributação dos resultados da atividade rural das pessoas físicas, diz no artigo 22 que: “O resultado da exploração da atividade rural exercida pelas pessoas físicas é apurado mediante escrituração do livro Caixa, abrangendo as receitas, as despesas de custeio, os investimentos e demais valores que integram a atividade”.
Contudo, o produtor rural que auferir no exercício, receita superior a R$ 56.000,00 (cinqüenta e seis mil reais) deverá comprovar todas as receitas, despesas e custo por documentação idônea através de livro Caixa. Portanto, é facultada a comprovação para os que não atingirem o teto estabelecido nesta Instrução Normativa.(3)
Como um conceito geral, o Fluxo de Caixa é a relação das entradas e das saídas de recursos financeiros em determinado período, visando prever a necessidade de captar empréstimos ou aplicar excedentes de caixa nas operações mais rentáveis. Em síntese, consiste em discriminar as entradas e saídas de numerário em determinado período (realizado ou previsto), apurando, assim, o saldo de caixa e possibilitando várias outras análises…(CREPALDI, 1998, p. 259).
Assim, é importante destacar que a utilização da contabilidade ultrapassa a obrigatoriedade legal, se traduzindo como ferramenta gerencial de imprescindível aplicação no processo produtivo e no processo de precificação da mercadoria. Num outro aspecto, a contabilidade é trazida como mecanismo capaz de fornecer dados para o planejamento estratégico da atividade, já que fornece um histórico dos fatos ocorridos e registrados em exercícios anteriores.
No meio rural, diante da diversificação da produção, há de se aplicar mecanismos que controlem custos, demonstrando a viabilidade ou não do sistema produtivo utilizado em cada cultura.
3. Considerações finais
No desenvolvimento da presente pesquisa bibliográfica, foi constatado a importância aplicação da contabilidade na atividade agropecuarista, desenvolvida pela Agricultura Familiar.
Há um reduzido número de material científico publicado, que aborde a utilização da contabilidade como ferramenta fundamental no processo de gestão das propriedades enquadradas na Agricultura Familiar.
No Brasil, atualmente, dado a importância econômica, financeira e social da atividade agropecuária, desenvolvida pelo segmento da agricultura familiar, vê-se um conjunto de políticas direcionadas para o desenvolvimento e fortalecimento desse segmento rural. Contudo, acreditar que é possível tornar um ambiente restrito mais produtivo, através da utilização de tecnologia e informação é um desafio constante para o gestor do empreendimento rural familiar, ou seja, para o próprio agricultor.
A agricultura familiar encontra-se inserida na atividade agropecuária e, representa 10% do Produto Interno Bruto brasileiro, além de ser a origem de 70,0% dos componentes alimentícios da cesta básica do brasileiro.
A agricultura familiar representa também um forte mecanismo de distribuição de riqueza, através da geração de emprego e renda, cuja ocupação é de 12,3 milhões de pessoas.
Um dado alarmante é o fato de que apenas 170 mil pessoas, que representam 1,4% do universo que compõe o total de pessoas ocupadas no segmento da agricultura familiar, possuem qualificação profissional, quando por disposição legal (Lei 11.326/06, art. 3º, inc. IV), o agricultor familiar, além dos demais requisitos, deve dirigir sua propriedade ou empreendimento com sua família para estar enquadrado na agricultura familiar. Daí surge à preocupação de como o agricultor que também é gestor, pode tomar decisões coerentes acerca do rumo econômico-financeiro de sua atividade com o conhecimento limitado. Isso demonstra certa fragilidade na capacidade gerencial por parte do agricultor familiar.
As propriedades utilizadas pela Agricultura Familiar possuem um modelo de exploração diversificado, onde cada atividade irá absorver custos diferentes, necessitando de um modelo de formação de preço também diferente.
Apesar dos investimentos governamentais em políticas públicas que buscam proporcionar o combate a desigualdade social no meio rural, através da Agricultura Familiar, deve-se fortalecer os mecanismos de qualificação profissional para o agricultor e seus familiares, que deverá vir acompanhada de um processo de educação econômico-financeira, para conscientizá-lo de que sua propriedade é uma unidade produtiva, onde cada atividade explorada dentro dela, é capaz de propiciar lucro ou prejuízo, independentemente, já que o simples resultado positivo de todas as suas vendas, não significa lucro.
A contabilidade rural é um segmento da contabilidade, que existe com o fim precípuo de controlar o patrimônio do homem, em suas diversas facetas, devendo estar acessível a todos que dela queiram fazer uso para o desenvolvimento da atividade rural, inclusive a agricultura familiar.
Apesar dos agricultores familiares, por disposição legal, estarem desobrigados de manter a escrituração contábil, frisa-se a importância da necessidade de se implantar a contabilidade neste segmento agropecuário, como mecanismo gerencial, onde através dos relatórios econômico-financeiros emitidos, a exemplo da Demonstração do Resultado do Exercício e do Balanço Patrimonial, poderão obter dados imprescindíveis para a completa análise da gestão da propriedade familiar.
A contabilidade rural, aplicado aos agricultores familiares, é capaz de reunir diversas informações acerca da movimentação financeira da propriedade rural, possibilitando que o agricultor/gestor planeje o futuro de sua atividade, separando cada uma, para fortalecer ou substituir aquelas que estão em déficit, além de aprimorar aquelas que já estão garantindo a lucratividade da propriedade.
A contabilidade pode e deve ser aplicada à agricultura familiar, a fim de somar no crescimento da participação no mercado nacional e internacional, provocando incremento da atividade rural familiar no PIB da agropecuária.
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Notas
(1) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PIB cresce 1,2% em relação ao 1º trimestre e chega a R$ 900,7 bi. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1705&id_pagina=1 . Acessado:15/10/10.
(2) FAO/INCRA. Diretrizes de Política Agrária e Desenvolvimento Sustentável. Brasília: FAO/INCRA, 1994 (Versão resumida do Relatório Final do Projeto).
(3) Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Ins/2001/in0832001.htm Acessado em 30/10/2010.