A legislação tributária e o dia a dia do contador
Recentemente iniciei uma pessoa interessada em trabalhar como auxiliar de escrita fiscal e, ao discorrer sobre o sistema tributário nacional, sua pirâmide de atos legislativos e aplicações, fui surpreendido pelo seguinte comentário: “quero aprender a ser auxiliar de escrita fiscal e não advogado!”.
Após explicar para o meu colega que não iríamos estudar o Direito, mas o direito que o Estado tem de regulamentar as operações fiscais, percebi o quanto espanta as pessoas o cipoal de regras que já fazem parte do cotidiano de um escritório de contabilidade. Pois bem, um escritório contábil hoje, se bem observado, no mínimo conterá uma estante em que se encontrará uma Constituição Federal do Brasil, um Código Tributário Nacional, um Regulamento do Imposto de Renda, do IPI e do ICMS, além de pastas encadernadas de boletins e periódicos, que auxiliam o contador a interpretar e aplicar as regras tributárias. Isso se já não estiver tudo online. Todo esse material ainda é complementado com consultas via internet e, quem sabe, um advogado que vez por outra é acionado para elaborar um parecer ou uma impugnação.
Num país como o nosso, em que a produção legislativa é uma constante – neste exato momento alguma regra tributária está sendo alterada –, o comentário do meu colega pode até fazer sentido. Mas qual impacto sofre a profissão contábil? Diria que de praticamente 100%, pois, sem conhecimento das regras aplicadas às operações, não há como orientar os clientes.
Este breve ensaio tem como objetivo discorrer rapidamente sobre os principais diplomas legais que considero como “básicos” e como o profissional contábil tem que desenvolver, além do conhecimento de sua profissão, o entendimento do que os juristas chamam de “quid júris”.
Qualquer pessoa que lida com a área fiscal/contábil deve no mínimo ter noções do que é uma “lei”, uma “instrução normativa”, um “regulamento” etc. Por que? Por causa da chamada hierarquia das normas: cada dispositivo que regula uma determinada situação deve respeitar outra de força maior que lhe dê fundamento. Uma norma legal fica no abstrato até o momento de sua aplicação, materializado no fato concreto a que é submetida.
Acima de todas paira a Constituição Federal, a chamada Lei Maior ou Carta Magna. Nela estão atribuídas as regras de permissão e limitação do poder de tributar da União, Estados, municípios e Distrito Federal. A Constituição não cria um tributo, apenas autoriza a sua criação.
Para o contador e em especial para quem milita na área fiscal, conhecer o sistema tributário nacional é de suma importância.
Assim, além da Constituição, ter conhecimento do CTN – Código Tributário Nacional – é importante, pois nele temos a definição, em nível de lei complementar à constituição, do que são impostos, contribuições e taxas. A lei 5.172/1966 (CTN) é um diploma único no seu gênero por ser uma lei que não sofreu muitas modificações ao longo do tempo – por ter, na minha opinião, qualidade técnica e objetividade.
Abaixo do CTN, que é uma lei complementar, temos a chamada lei ordinária: observados seus limites de competência, pode ser editada pela União, Estados, municípios e Distrito Federal, onde são declarados os critérios de imposição tributária. Por exemplo: a lei que determina as regras do ICMS, em São Paulo, é a 6.374/1989, que tem sua regulamentação atual no decreto 45.490/2000.
Esta é outra figura que deixa todo mundo meio confuso: o decreto. Este ato normativo do poder executivo explica e robustece a lei, detalhando o que esta apenas prevê em termos gerais, sem extrapolar suas atribuições.
Agora, as chamadas instruções normativas, tão amplamente publicadas pela Receita Federal, são verdadeiras “instruções” que têm o condão de serem reguladoras de matérias, como a instrução normativa 1.234/2012, que dispõe sobre retenção de tributos e contribuições nos pagamentos recebidos pelas pessoas jurídicas provenientes de órgãos públicos.
Assim sendo, de acordo com a atividade de determinado empreendimento, haverá uma série de atos normativos que regulamentam as operações, o fato gerador do imposto, suas obrigações acessórias e a maneira com que o Estado pode também aplicar sanções.
Como se vê, o comentário do meu colega tem sua razão de ser, pois, para entender pelo menos um pouco do sistema tributário, necessário se faz ter noções de hermenêutica, exegese e conhecer as ferramentas necessárias para uma interpretação correta de aplicação das normas. Logo a necessidade criada obriga o profissional contábil a buscar novos horizontes e ampliar seu conhecimento de outras disciplinas para que haja um bom atendimento junto ao cliente, afinal “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Constituição Federal/1988, art. 5º, II).