Inconstitucionalidade dos 15% do INSS
É pacífico que a incidência tributária não pode ser fixada sem a observância de conceitos rígidos de determinância e paralelismo com a capacidade e identidade contributiva do contribuinte.
O Código Tributário Nacional define como tributo “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
O artigo 5º do CTN menciona como espécies de tributos: impostos taxas e contribuições de melhoria.
No entanto, sob a inteligência dos artigos 148 e 149 da Constituição Federal, evidencia-se que há mais duas espécies tributárias, a saber: o empréstimo compulsório e as contribuições especiais.
O artigo 195 da CF, estabelece, por seu turno, o custeio das atividades previdenciárias através de contribuições ditadas como sociais.
Dizem os artigos:
Art. 149 da CF. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições que alude o dispositivo.”
“Art. 195 da CF. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:…”
Portanto, a natureza jurídica das contribuições previdenciárias é de contribuição social, novel hipótese arregimentada ao sistema tributário nacional pela Constituição Federal.
Além das pessoas jurídicas de direito público interno, compete à sociedade o custeio da seguridade social, mediante a participação neste custeio dos intervenientes em relação jurídica que se sujeite à incidência dela enquanto contribuição social.
À vinculação do contribuinte à uma obrigação fiscal denomina-se sujeição passiva da obrigação tributária. No site da receita federal esta esclarece quem são seus sujeitos passivos tributários:
Sujeito passivo da obrigação tributária principal é a pessoa obrigada ao pagamento do imposto ou penalidade pecuniária, na condição de:
a) contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitui o fato gerador; b) responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de expressa disposição de lei. (disponível em www.receita.fazenda.gov.br/pessoajuridica/dipj/1999/Inf_Gerais/Sujeito_Passivo_da_Obrigacao_Tributaria.htm)
Portanto, somente pode ser sujeito passivo da obrigação tributária previdenciária a pessoa, física ou jurídica, que com esta tenha vinculo tributário.
No que respeita à incidência da contribuição previdenciária às cooperativas de trabalho, a mesma tem origem no artigo 1º, II, da Lei Complementar 84, de 18 de janeiro de 1996, que a atribui às mesmas “no percentual de 15% do total das importâncias pagas, distribuídas ou creditadas a seus cooperados a título de remuneração ou retribuição pelos serviços que prestem a pessoas jurídicas por intermédio delas”
Posteriormente, a Lei nº 9.876/99 alterou o artigo 22 da Lei nº 8.212/91, acrescentando-lhe o inciso V, com a seguinte redação:
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: (…)
IV – quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho.”
Da dialética do referido artigo, a Lei nº 9.876/99 desenvolve a criação de contribuição tendo como sujeito passivo a empresa contratante destas cooperativas.
Numa manobra legal digna de demonstrar absoluto dessaber do regramento constitucional, o legislador, em manifesta ignomínia jurídica, confunde o fato gerador –prestação de serviços- com a base de cálculo –nota fiscal de prestação de serviços.
É certo que a nota fiscal de prestação de serviços emitida pelas cooperativas não se destina, tão somente, à retribuição da prestação de serviços cooperados: custeia, também, as despesas internas da cooperativa, não só da gestão dos trabalhos destes cooperados, como também as despesas físicas e operacionais da mesma, como luz, água, telefone, aluguel e etc.
Assim, distanciando-se da previsão contida no artigo 1º, II, da Lei Complementar nº 84/96, a Lei nº 9.876/99 criou outra fonte de custeio, diferenciada daquela nela prevista, para que ela, deixando de ser o valor arrecadado e distribuído aos cooperados, passasse a ser o faturamento bruto da cooperativa.
Não é demais ressaltar que, não fosse somente esta discrepância abusiva, o inciso a do parágrafo único do artigo 11 da própria Lei nº 8.212/91 estabelece ser fonte de custeio da seguridade social as das empresas, incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos segurados a seu serviço. E, o artigo 31 da mesma Lei, quando refere-se à serviços contratados a terceiros, estabelece que a mesma tem o dever de retenção de valores, e não de obrigação direta que lhe possa ser exigível. Citamos:
Artigo 31 – A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura …
Então, numa situação que representaria à tomadora dos serviços, como contratante, à mera retenção como substituta tributária da cooperativa, estabeleceu-se, pela Lei nº 9.876/99, a condição de obrigação direta de pagamento de tributos. Já às cooperativas, na qualidade de intermediadoras da mão de obra destes cooperados, a Lei nº 9.876/99 estabeleceu tributação que, diferente da fixada em Lei Complementar, incide sobre seu faturamento bruto, e não apenas sobre os repasses recepcionados destes cooperados.
Vale registrar que à Lei Ordinária, caso da Lei nº 9.876/99, não era lícita a criação de nova base de cálculo ou atribuição de imposição tributária, eis que esta é reservada à Lei Complementar, na forma do inciso I do artigo 154 da Constituição Federal, e a Lei Complementar nº 84/96, em momento algum, fixou contribuições sociais à seguridade social com base no faturamento das cooperativas, e sim com base na produção cooperativista existente, não podendo prevalecer critério tributário não designado pela Lei Complementar.
Por estes motivos, inconstitucional o inciso IV da Lei nº 9.876/99, que fixou tributação às cooperativas incidente sobre sua recieta bruta.