Segundo o Fisco Federal, a adesão ao PAES, na qualidade de regime legal de parcelamento que constitui favor legal, confere ao optante o dever de atentar para os termos respectivos, o que inclui a aceitação de normas relativamente ao regime tributário regular, dentre as quais, a prevista no art. 12 da Lei nº 10.684/03, que estabelece ser dispensável a prévia notificação do contribuinte para que se proceda à sua exclusão do respectivo parcelamento.
A declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo é uma evidente total inversão das etapas do denominado devido processo legal, afetando o contraditório e a ampla defesa.
Ademais, a adesão ao parcelamento, por óbvio, não implica na renúncia aos direitos fundamentais, em especial às garantias do contraditório e da ampla defesa, plenamente aplicáveis aos processos administrativos (art. 5º, LV, CF).
Com efeito, o artigo 12 da mencionada lei, possibilita ao Poder Público praticar ato administrativo sancionador de exclusão de parcelamento, independente de notificação prévia, a saber:
“Art. 12. A exclusão do sujeito passivo do parcelamento a que se refere esta Lei, inclusive a prevista no §4º do artigo 8º, independerá de notificação prévia e implicará exigibilidade imediata da totalidade do crédito confessado e ainda não pago e automática execução da garantia prestada, quando existente, restabelecendo-se, em relação ao montante não pago, os acréscimos legais na forma da legislação aplicável à época da ocorrência dos respectivos fatos geradores.”
Diante da evidente inconstitucionalidade desse dispositivo, editou-se, em 6 de agosto de 2004, a Medida Provisória nº 206, cujo artigo 11 tem a seguinte redação:
“Art. 11. Será dada ciência ao sujeito passivo do ato que excluir do parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, de que tratam os artigos 1º e 5º da Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, mediante publicação no Diário Oficial da União.
Parágrafo único. Fica dispensada a publicação de que trata o caput nos casos em que for dada ciência ao sujeito passivo pessoalmente ou por via postal, com aviso de recebimento.”
Com isso, passou a ser obrigatória a notificação do contribuinte. Em complemento a este dispositivo, foi elaborada a Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 023 de 28/08/2004, prevendo expressa possibilidade de defesa administrativa.
No entanto, mesmo após o advento da Medida Provisória, permanece a inconstitucionalidade da aludida lei, pois a exclusão do Paes é realizada via notificação ficta, no Diário Oficial da União, sem ser concedido direito de defesa com efeito suspensivo.
A esse respeito, convém citar precedente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em que, por decisão monocrática da Desembargadora Cecília Marcondes, decidiu-se acerca do artigo 12, da Lei nº 10.684/2003, que:
“realmente carece de higidez, a meu ver, a parte do dispositivo que atribui efeito imediato ao ato de exclusão e, assim, tolhe ao contribuinte qualquer meio de defesa. Nesse tópico, sim, parece-me haver o legislador contrariado substancialmente a garantia constitucional do devido processo legal”. (TRF/3ª Região – AG nº 2004.03.00.041645-1, Rela. Desa. Cecília Marcondes, j. 30/08/2004).
O artigo 5º consagra, em seu inciso LIV, que:
“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Na sequência, o inciso LV assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, “o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece que a cláusula do devido processo legal e seus desdobramentos consagra
“a exigência de um processo formal regular para que sejam atingidas a liberdade e propriedade de quem quer que seja e a necessidade da Administração Pública, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade (real) de contraditório e de defesa ampla, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas” (Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 71).
Logo, para que a lei esteja em conformidade com o princípio do devido processo legal administrativo, exige-se: a) quanto ao contraditório: 1. Informação adequada e eficaz acerca dos atos praticados pelo Poder Público e documentos (notificação); 2. Possibilidade de ser ouvido; 3. Motivação dos atos administrativos; b) no que se refere à ampla defesa: 1. Possibilidade de se apresentar defesa em momento anterior à expedição de ato administrativo sancionador, salvo hipóteses de auto-executoriedade – que não é o caso do Paes; 2. direito à faculdade de interpor recurso administrativo. (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 6. ed. São Paulo: RT, 2002, pp. 206-210).
Ainda, nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello pontifica que a afronta aos princípios jurídicos:
“é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer”, pois a “desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos”. (apud CALCINI, Fábio Pallaretti. p. 157).
Assim, excluir um contribuinte do Paes – ato administrativo sancionador – sem notificá-lo (contraditório) e, por conseguinte, possibilitar o exercício do direito subjetivo constitucional da ampla defesa, é agir como um Estado arbitrário, onde os fins (cobrança de tributo) justificam os meios arbitrários.
A citação por edital, por óbvio, não garante a ciência do contribuinte e, por conseguinte, obstaculiza o contraditório e a ampla defesa.
Necessária se faz, portanto, a notificação do contribuinte por meio idôneo e eficaz, de forma que se assegure a ciência do interessado, dando-lhe a oportunidade de ampla defesa, não podendo um ato administrativo sancionador que exclui do Paes ter efeito imediato.
No Recurso Extraordinário nº 157.905-6-SP, que teve como relator o Ministro Marco Aurélio, o Supremo Tribunal Federal assentou que:
“a ciência ficta de processo administrativo, via Diário Oficial, apenas cabe quando o interessado está em lugar incerto e não sabido”. (JSTF – Lex 242/207).
O Ministro Marco Aurélio, em seu voto, pontifica que:
“o maior vício que pode macular um processo, seja ele administrativo, ou não, é o da ausência de conhecimento pela parte envolvida”.
E acrescenta:
“O exercício do lídimo direito de defesa pressupõe a ciência do procedimento em curso e esta tanto quanto possível há de ocorrer observada a pessoalidade”. (JSTF – Lex 242/209).
Acompanhando este entendimento, acentuou o Ministro Sepúlveda Pertence, que é
“absolutamente ilusória a presunção de ciência por um particular, mediante publicação em Diário Oficial, de uma sanção administrativa que lhe é aplicada.” (JSTF – Lex 242/211).
O Ministro Celso de Mello, por sua vez, afirmou que “a exigência do caráter pessoal da comunicação projeta-se como uma das expressões concretizadoras da cláusula constitucional do contraditório, da plenitude da defesa”. E conclui: “na verdade, é a realização do próprio postulado do devido processo legal”. (JSTF – Lex 242/211).
Com fundamento nos votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, neste importante precedente que se encaixa perfeitamente ao presente caso, conclui-se que o respeito ao devido processo legal somente existirá se acaso se comunique do ato de exclusão mediante meio idôneo que garanta a certeza de sua intimação, sendo a publicação em Diário Oficial ou edital, uma exceção, somente legítima em casos específicos e mediante a justificativa fática. Não pode ser a regra, sob pena de se impossibilitar o lídimo direito de defesa, corolário do due process of law.
Repise-se: A ciência ficta é situação totalmente excepcional, devendo ser empregada tão-somente quando se tratar de interessado em lugar incerto ou não sabido. Assim, dando proeminência ao princípio do devido processo legal, é forçosa a intimação de modo pessoal, assegurando a certeza da ciência do interessado da sanção administrativa imposta. Portanto, a ausência de intimação (art. 12, da Lei nº 10.684/2003) ou sua intimação por Diário Oficial (art. 11, da MP nº 206/2004) não são vaticinadas pelo princípio constitucional do devido processo legal.
A esse respeito, transcreve-se precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. REFIS. LEI 9.964/2000. EXCLUSÃO DO PROGRAMA, CERCEAMENTO DE DEFESA. INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. (…)
3. O cerceamento de defesa de que se queixa a impetrante se encontra configurado, à medida que foi excluídas do Refis sem prévia ciência dos motivos determinantes de tal providência.
4. Assegurada à impetrante sua permanência do Refis. Eventual processo de exclusão deverá respeitar o princípio do contraditório.
5. Apelo provido.” (4ª Turma do TRF/1ª Região. Apelação em MS nº 200234000069250/DF, Relator Des. Fed. Hilton Queiroz, DJU 23/05/2003).(sem grifo no original).
Em recente decisão, o Ministro Marco Aurélio, assim proferiu:
“REFIS/PAES – Exclusão via Internet – Ausência de Devido Processo Legal: (…) Isso significa, que assiste, ao cidadão, mesmo em procedimentos índole administrativa ou caráter político-administrativo, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consoante prescreve a Constituição da República em seu art. 5º inciso LV. (…)” {Ag. Reg. no Recurso Extraordinário 719.800, DJe 22/05/2013, pp. 60/1}
Conclui-se pela patente ofensa ao princípio do devido processo legal, em especial, o contraditório e a ampla defesa (artigo 5º, incisos LIV e LV, da CF), seja pelo artigo 12, da Lei nº 10.684/2003, bem como artigo 11, da MP nº 206/2004, eis que não se garante a efetiva e certa intimação dos contribuintes, quanto ao ato que exclui do Paes, a fim de possibilitar o pleno exercício da ampla defesa.