A responsabilização dos sócios pelo pagamento do crédito fiscal devido pela pessoa jurídica, em certos e determinados casos, apresenta-se fora dos limites constitucionais e legais viabilizando seu questionamento no processo de execução fiscal da dívida pública, sobretudo diante do entendimento emanado pela jurisprudência sobre a matéria.
O Código Tributário Nacional, na posição de diploma normativo que de forma válida disciplina o disposto no artigo 146, da Constituição Federal, qualifica como contribuinte a pessoa que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua fator gerador do tributo ocupando a posição de sujeito passivo na relação jurídico-tributária.
Definiu, também, o precitado Códex, a figura do responsável tributário pelo pagamento do crédito fiscal e que podem ser discriminados da seguinte forma: responsável substituição, responsável solidário, responsável por transferência, responsabilidade de terceiros e por infrações.
Interessa-nos a análise e estudo da responsabilidade tributária de terceiros propagada no artigo 135, III, do Código Tributário Nacional cuja utilização, em alguns casos, de forma irresponsável pela Fazenda Pública, culmina na responsabilização de sócios pelo pagamento de crédito originariamente devido pela pessoa jurídica que guarda relação pessoal e direta com o fato gerador da obrigação tributária principal.
No inciso III, do artigo 135, do Código Tributário Nacional a disciplina da matéria revela que diretores, gerentes ou mesmo representantes da pessoa jurídica de direito privado são pessoalmente responsáveis pelo pagamento do crédito tributário quando praticarem atos reputados como contrários à lei, contrato social ou estatuto, assim como ensejam a responsabilização os atos praticados com excesso de poderes.
Revela a prática forense, no mais das vezes, que a ingerência fiscal no patrimônio dos sócios ocorre no curso do processo de execução fiscal e diante do pedido da Fazenda Pública de inclusão no polo passivo da demanda das pessoas que integram o quadro societário da empresa executada.
Nesta hipótese, para que houvesse a responsabilização, passou-se a discutir a obrigação da Fazenda Pública de demonstrar a materialização de uma ou mais hipóteses presentes no inciso III, do artigo 135, do Código Tributário Nacional quando os sócios já figuravam ou não como co-responsáveis, na Certidão de Dívida Ativa, pelo recolhimento do crédito tributário devido pela pessoa jurídica.
O Superior Tribunal de Justiça, dando solução ao embate, fixou o entendimento de que na hipótese de redirecionamento da execução contra o sócio que não fora desde logo apontado na CDA como devedor competia ao Fisco o ônus de demonstrar em juízo a prática de atos típicos viabilizadores da responsabilidade pessoal.
Realmente, neste ponto, existe, sim, a obrigação de a Fazenda credora apontar por meio de elementos probatórios, de maneira clara e precisa, a prática, por parte dos sócios da pessoa ficta, de alguma das condutas discriminadas no artigo 135, III, do Código Tributário Nacional como pressuposto para a imputação da responsabilidade.
A demonstração, sob o aspecto subjetivo, passa, invariavelmente, pela apuração minudente da pessoa que praticou materialmente o fato típico, assim como do respectivo ordenador e ainda daqueles que de alguma forma participaram da sua execução.
Deve, também, abster-se de pleitear em juízo a inclusão da pessoa que cedeu suas cotas sociais, ainda que tivesse poderes de gestão na época da ocorrência dos fatos imponíveis, quando não existir fundamento para a sua responsabilização, sobretudo na hipótese de dissolução irregular posterior a sua retirada do quadro societário (STJ. REsp nº 1.345.913-RJ, Primeira Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves de Lima, DJe 13/10/2011).
Há a necessidade, ainda, segundo o entendimento externado pela jurisprudência de discriminar qual o sócio possuía poderes de gestão da sociedade e deliberava sobre a assunção de obrigações perante terceiros relativamente às operações comerciais, incluído aí o credor fiscal, eximindo aqueles que figuravam apenas como meros cotistas, sem poderes de administração (STJ, REsp nº 751.858-SC, Primeira Turma, Rel. Teori Albino Zavascki, DJU 22/08/2005).
Além disso, pondera a doutrina, como também a jurisprudência que a infração de lei deduzida no caput do artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional não contempla o mero inadimplemento tributário (STJ. Súmula 430, DJe 13/05/2010), e sim ato culposo ou doloso do agente que, se o quisesse, poderia ter agido de outra forma.
O meio de apuração da responsabilidade, sob tal perspectiva, passa, necessariamente, pelo preceituado no artigo 1.011, do Código Civil, dado que do dispositivo legal emana a obrigação do sócio com poderes de administração de empregar nos negócios societários o mesmo cuidado “(…) que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”.
Portanto, configurar-se-á infração de lei, ocasionando a responsabilização pessoal, a prática de conduta que destoe da previsão legal societária, a teor das ponderações tecidas por Renato Lopes Becho em tese doutoramento defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, aduzindo, como exemplo, que “Um caso sempre lembrado de infração à lei é o da dissolução irregular da sociedade, ou o funcionamento de sociedade de fato (não registrada nos órgãos competentes)(01).” Enfim, faz-se necessário, melhor dizendo, imprescindível, a incursão nas disposições regentes do direito de empresa para a correta e adequada apuração de responsabilidade (STJ. REsp nº 141.516-SC, Primeira Turma, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, DJU 30/11/1998).
Por outro lado, no caso de já figurar ab initio como responsável no título de crédito fazendário, o ônus da prova vinha, até então, de acordo com o posicionamento assentado pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo direcionado aos sócios que deveriam demonstrar a inexistência das condutas previstas como necessárias e suficientes ao redirecionamento da execução fiscal. Veja-se, verbi gratia, o desfecho dado pela Segunda Turma nos autos do Recurso Especial nº 800.159-PR, relatado pelo Ministro Francisco Peçanha Martins.
A imputação da responsabilidade radicava-se na previsão inserta no artigo 204, do Código Tributário Nacional, como ainda na norma cogente do artigo 3º, da Lei nº 6.830/80, dispositivos que atribuem à Certidão de Dívida Ativa a presunção relativa de liquidez e certeza quanto à constituição do crédito.
Aludida presunção implicava em concluir que a questão da responsabilidade tributária já havia sido apurada pelo Fisco quando da constituição do crédito tributário por meio do lançamento, de modo que deveria a pessoa física penalizada demonstrar sua irresponsabilidade pelo pagamento do tributo devido pela empresa.
Com o delineamento da matéria pelo STJ, a presunção legal de higidez da dívida passou a servir de panacéia para responsabilização descompassada de terceiros pela Fazenda Pública com a afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa.
Isso porque o lançamento tributário vem definido pelo artigo 142, do Código Tributário Nacional como procedimento administrativo de acertamento do crédito tributário oriundo da ocorrência do fato gerador previsto em lei e apto ao nascimento da obrigação tributária. Pelo lançamento, apura-se, ainda, quem deve arcar com o pagamento da exação, o sujeito passivo da relação jurídico-tributária (CTN. art. 121, caput).
Por força da previsão contida no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, em todo e qualquer processo, administrativo ou judicial, exige-se a observância do contraditório e da ampla defesa. A regra também alcança o lançamento tributário na condição de processo administrativo.
Na maioria absoluta dos casos de inclusão do nome do sócio na Certidão de Dívida Ativa, no entanto, ao ter acesso ao processo administrativo fiscal nela referido era possível entrever a inexistência de qualquer apuração acerca da responsabilidade tributária em estudo. Como dito, a praticidade em fazer inserir o nome do sócio na CDA, tomando como norte o posicionamento consolidado do STJ, justificava a supressão da fase administrativa.
Sob o aspecto pragmático, na verdade, a própria Certidão de Dívida Ativa permitia ao Fisco levar a discussão da responsabilidade do procedimento administrativo para a execução fiscal, sendo o exercício do contraditório relegado aos embargos à execução, revelando-se assaz danoso ao princípio do contraditório e da ampla defesa, em razão da impossibilidade, muitas vezes, por parte do sócio, de garantir a integralidade do crédito tributário. Advém, pois, daí o maltrato a garantia albergada na Constituição.
Nos autos do Recurso Extraordinário nº 608.426-PR, julgado aos 04 de outubro de 2011, a Segunda Turma da Corte Suprema, em Acórdão da lavra do Ministro Joaquim Barbosa fixou orientação no sentido de atribuir à Fazenda Pública o ônus de apurar e comprovar a responsabilidade tributária de sócio como pressuposto para o redirecionamento da execução fiscal, ainda que ele já figure como devedor na Certidão de Dívida Ativa.
Segundo o precedente jurisprudencial, a garantia do contraditório deve ser dirigida no processo administrativo de lançamento de forma irrestrita, seja na condição de contribuinte, assim como nas hipóteses preconizadas pelo CTN de responsabilidade solidária, por substituição, solidária, por transferência, responsabilidade de terceiros e por infrações.
Ressaltou-se, também, a necessidade de decisão administrativa motivada e fundamentada nos casos específicos de sujeição passiva por responsabilidade de terceiros ou por substituição, rechaçando a prática Fiscal de substituição de tais requisitos, que informam as relações no âmbito do direito público e do direito administrativo, pela presunção defendida e amplamente aplicada nos casos levados ao conhecimento do Superior de Tribunal de Justiça.
Neste ponto, ainda de acordo com o entendimento externado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, a iniquidade da presunção em matéria fiscal denota a displicência por parte do Fisco de apurar em cada caso concreto a responsabilidade tributária impondo aos sócios a obrigação, indevida, de demonstrar a inadequação da cobrança do crédito tributário que lhe é imputada na Certidão de Dívida Ativa.
A nova acepção dada pelo Supremo sobre o assunto demonstra a limitação das presunções no campo do direito tributário, cuja aplicação demanda a prévia e necessária observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo também necessária, ao menos para responsabilização tributária, a fundamentação e motivação da decisão administrativa.
Dessa maneira, a ausência de instauração pela Fazenda Pública do processo administrativo fiscal visando apurar responsabilidade tributária permite ao sócio pleitear em juízo a declaração de nulidade do título de crédito fazendário dando ensejo à extinção da execução fiscal, com fundamento nos artigos 267, inciso VI e 618, inciso I, ambos do Código de Processo, dada a incerteza da obrigação tributária.
A arguição de nulidade, entendemos, poderá ser deduzida por meio da objeção de pré-executividade instruída com a cópia do processo administrativo fiscal, desde que reste comprovada a inexistência de decisão motivada e fundamentada autorizando a inserção do seu nome na Certidão de Dívida Ativa.
Em arremate, o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 608.426-PR juntamente com as decisões emanadas pelo Superior Tribunal de Justiça, citadas de forma exemplificativa, nos Recursos Especiais nos 1.345.913-RJ, Primeira Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves de Lima; 751.858-SC, Primeira Turma, Rel. Teori Albino Zavascki, e Súmula 430, prestam-se, de maneira absoluta, em sede de responsabilidade tributária de terceiros, como meio de reação do sócio contra a ingerência fiscal no seu patrimônio para pagamento dos débitos contraídos pela pessoa ficta executada.
Nota
(01) Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária, p. 180/181, São Paulo, Dialética, 2000.