Aplicação das boas práticas de governança corporativa em empresas de controle familiar
No presente estudo discorreremos de forma sucinta e objetiva como as boas práticas de Governança Corporativa podem ser aplicadas em empresas com controle eminentemente familiar.
Para tanto, é necessário discorrer de forma breve acerca do histórico e surgimento da Governança Corporativa, seus objetivos, práticas e princípios, sua introdução no Brasil, e por fim, sua aplicação e implementação em empresas familiares.
A Governança Corporativa surgiu no final dos anos 90, em um movimento que teve início nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, com a adoção de algumas práticas que visavam conferir maior proteção aos acionistas de companhias com operação no mercado de capitais contra os abusos das diretorias executivas, omissão e acomodação dos conselhos de administração e das auditorias externas, bem como conflitos de interesses entre as partes (proprietários x executivos).
Diante deste cenário, surgiu a necessidade de separar a propriedade da gestão empresarial, partindo-se da premissa de que os proprietários (acionistas) devem delegar o poder de decisão operacional de suas empresas para um profissional especializado de mercado (executivo), cabendo aos acionistas a função de tomar as decisões estratégicas e monitorar os executivos e demais agentes.
Ocorre que para a delegação de poderes ser eficiente e atingir os objetivos almejados é preciso superar os conflitos de interesses entre os acionistas e executivos, devendo-se alinhar os interesses entre tais agentes.
Para suprir essa demanda, foi criada a Governança Corporativa, que nada mais é que um sistema cujo objetivo é criar eficientes mecanismos para incentivar e também monitorar as relações entre acionistas e executivos/gestores, com o devido alinhamento de interesses.
Desta forma, pode-se afirmar que as boas práticas de Governança Corporativa possibilitam aos acionistas realizar a gestão estratégica dos negócios e manter a monitoração dos executivos responsáveis por levar a organização a atingir os objetivos traçados.
Assim, para que a Governança Corporativa permita aos proprietários de empresas uma gestão estratégica dos negócios, há alguns princípios básicos que devem ser aplicados, quais sejam: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa.
– O princípio da transparência visa garantir mais do que a obrigação de informar, mas disponibilizar as partes interessadas as informações de seus respectivos interesses e não somente as que são impostas por disposições legais ou limitadas ao desempenho econômico-financeiro. Com a transparência aplicada a todas as informações gerenciais da companhia, ganha-se a confiança interna e nas relações com terceiros, inclusive investidores.
– O princípio da equidade visa conceder tratamento justo de todas as partes interessadas (acionistas majoritários, minoritários, conselheiros e executivos/gestores), sendo vedado qualquer tipo de atitude discriminatória entre eles.
– O princípio da prestação de contas visa aplicar aos agentes responsáveis pelas práticas de Governança Corporativa como associados, conselheiros, executivos, conselheiros fiscais e auditores, o dever de prestar contas em razão de suas atuações, bem como assumir integralmente as consequências de seus atos e omissões.
– O princípio da responsabilidade corporativa visa aplicar aos agentes responsáveis pelas práticas de Governança Corporativa o dever de zelar pela sustentabilidade das organizações, buscando sua longevidade, incorporando soluções de ordem social e ambiental nos programas, projetos e operações.
É importante destacar que a Governança Corporativa não possui um modelo padrão ou parametrizado para aplicação e implementação nas empresas, pois deve-se analisar e respeitar as especificidades de cada organização, considerando as culturas regionais e internas, características de mercado, interesses e objetivos dos proprietários, dentre outros.
No Brasil, as boas práticas de Governança Corporativa surgiram após o processo de globalização, privatização e desregulamentação da economia nacional, que criou um ambiente corporativo mais profissional e competitivo, forçando os acionistas e sócios de empresas a modernizarem suas gestões através da contratação de profissionais do mercado altamente competentes e capacitados para exercer suas funções.
Como exposto acima, a Governança Corporativa foi inicialmente criada para suprir as necessidades e demandas das companhias atuantes no mercado financeiro, porém, com o crescimento e a solidez da economia brasileira nos últimos anos, alguns proprietários de empresas com controle familiar se viram obrigados a modernizarem-se para que pudessem manter a competitividade no mercado interno e externo e se tornarem atraentes a investidores, principalmente estrangeiros, mudando o foco de suas gestões para conferir maior eficiência econômica e transparência aos negócios, o que, até então, era praticamente inexistente no mercado de empresas familiares.
De acordo com dados do IBGE, 98% das empresas no Brasil são familiares, sendo que apenas 30% sobrevivem à segunda e somente 5% chegam à terceira geração. Esse cenário é reflexo dos problemas relacionados à gestão dos negócios com controle familiar, dentre os quais se destaca a concentração do controle acionário e decisório, falta de planejamento estratégico, gestão ineficiente, falta de preparação de sucessores, baixa efetividade ou atuação passiva do conselho de administração, profissionais sem qualificação e falta ou falha de comunicação na relação entre os proprietários e executivos.
Essa falta de planejamento do futuro nas empresas ocorre principalmente nas organizações com controle familiar, pois normalmente os fundadores ou sócios administradores acabam se envolvendo na administração diária do negócio e não conseguem desenvolver a gestão estratégica necessária à continuidade e sucesso dos negócios.
Para que seja possível aplicar as boas práticas de Governança Corporativa nas empresas de controle familiar, é preciso que os empresários tenham a consciência de que as boas práticas não devem ser aplicadas apenas em grandes companhias que atuam no mercado de capitais, mas também e inclusive em empresas com controle familiar, já que só trazem benefícios aos negócios e à própria família.
Quando afirmamos que as boas práticas de Governança Corporativa trazem benefícios às empresas de controle familiar, é importante esclarecer e ressaltar que sua aplicação deve ser feita de forma correta e planejada, já que para aplicar as boas práticas em empresas familiares com o objetivo de possibilitar uma gestão estratégica dos negócios, o acompanhamento e monitoração dos executivos, a perpetuidade dos negócios e a redução dos conflitos de interesses dentro da família, é necessário analisar previamente às realidades específicas de cada organização.
Isso porque as práticas e ferramentas de governança devem respeitar as peculiaridades inerentes ao controle familiar de cada empresa, sem deixar de lado importantes aspectos como o desenvolvimento de líderes, retenção de talentos, preservação do negócio, política de benefícios aos funcionários, plano de carreira e salários, preparação de sucessores, dentre outros.
Essa preparação é necessária para que se minimize o choque que as mudanças decorrentes da implementação das boas práticas de Governança Corporativa causam internamente nas empresas familiares, uma vez que em decorrência da profissionalização da gestão, invariavelmente passa-se a exigir e se conviver com algumas formalidades e políticas internas que são novas a todos os agentes envolvidos.
Dentre as formalidades e políticas internas mencionadas, destaca-se a aplicação e respeito aos princípios da transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa, além de instrumentos societários como atas e acordos entre sócios/acionistas, acordos familiares prevendo regras e políticas para resolução de eventuais conflitos, condições e regras para regular os interesses pessoais e profissionais dos proprietários, políticas internas da empresa, etc.
Além disso, segundo a doutrina especializada (01), existem quatro modelos distintos de Governança Corporativa, sendo que cada um enfatiza características e variáveis distintas, mas as finalidades são as mesmas. O modelo financeiro foca o retorno financeiro aos investidores; o modelo dos públicos relevantes (stakeholders) foca e prioriza a responsabilidade social das organizações; o modelo político prioriza a questão institucional; e o modelo de procuradoria valoriza o poder dos gestores gerarem valores tangíveis e intangíveis.
Como é possível notar, as empresas com controle familiar, assim como as companhias que operam no mercado de capitais, possuem peculiaridades e especificidades que devem ser levadas em consideração antes de se implementar as boas práticas de Governança Corporativa, considerando que não há um formato pronto e pré-definido para tanto, até porque as práticas a serem implementadas devem ser avaliadas de acordo com a realidade de cada empresa e os interesses dos proprietários, sendo certo que a Governança é a principal ferramenta para que se atinja a perpetuidade dos negócios de forma sustentável, profissionalizada e eficiente, em toda e qualquer organização, inclusive nas de controle familiar.
Diante dessas breves considerações, pode-se concluir que a aplicação e implementação das boas práticas de Governança Corporativa em empresas de controle familiar é plenamente possível e recomendada, desde que seja devidamente planejada e implementada de forma correta, respeitando as realidades, culturas, interesses e objetivos de cada empresa e família, visando principalmente evitar conflitos, desconfianças e a derrocada das empresas familiares que tanto assombram o mercado brasileiro.
É importante lembrar aos proprietários e gestores de empresas com controle familiar interessados em implementar as práticas de Governança Corporativa que tal procedimento, via de regra, deve ser estruturado e planejado previamente com o auxílio de profissionais especializados, pois como visto acima, há muitos detalhes e peculiaridades a serem observados a fim de se atingir os objetivos almejados de forma satisfatória e menos traumática possível.
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Adriana. Governança Corporativa: Fundamentos, desenvolvimento e tendências. 3ª ed. São Paulo. Atlas, 2007.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA (IBGC). Código das melhores práticas de governança corporativa. 4ª ed. São Paulo. Atlas, 2007.
Idem. http://www.ibgc.org.br/Secao.aspx?CodSecao=17
Nota
(01) ANDRADE, Adriana. Governança Corporativa: Fundamentos, desenvolvimento e tendências. 3ª ed. São Paulo. Atlas, 2007.