O direito das Eirelis ao regime fixo do ISS

Posted by Clayton Teles das Merces on 8 maio 2012 in Sem categoria |

A Lei nº 12.441, de 2011, que criou a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli), traz consigo polêmicas e incertezas diárias ao cidadão. Problemas como capital social mínimo a integralizar, impossibilidade de sua constituição via sócio pessoa jurídica, entre outros, são amplamente veiculados na mídia e se opõem ao princípio constitucional da livre iniciativa profissional. Além disso, acabam por retirar a eficácia direta e imediata que a lei tanto tentou trazer em seu bojo.
Não que a ordem desse artigo seja a crítica, mas o cidadão deve se atentar para mais um problema que enfrentará com a Eireli na esfera tributária: o recolhimento do Imposto sobre Serviços (ISS) pelo regime fixo. Parece simples, mas não o é. Não obstante o fato de serem constituídas por um único sócio e de poderem ter como objeto social a prestação de serviços intelectuais e de natureza científica, a constituição das Eirelis se dá por um regime societário de sociedade limitada.
E aqui temos o problema. As prefeituras entendem que a mera constituição de uma sociedade como limitada já faz com que ela perca o direito ao recolhimento do ISS-fixo, porquanto se torna qualificável como sociedade empresária. Com efeito, já temos claro de que com as Eirelis a postura não será diferente. Será, contudo, que essa interpretação está correta?

Para respondermos essa questão, há de se recordar, previamente, que o ISS tem como regra geral o regime variável de recolhimento. Aplica-se uma alíquota (percentual) sobre o montante percebido nas prestações de serviço e apura-se o imposto. A exceção é o regime fixo de recolhimento do tributo, também conhecido como ISS-fixo. Sua previsão encontra-se nos parágrafos 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei nº 406, de 1968, os quais prescrevem que o ISS será devido com base num valor fixo, independentemente da importância paga a título de remuneração do próprio trabalho, quando determinados serviços forem prestados sob a forma de trabalho pessoal e de responsabilidade própria do contribuinte.
A despeito disso, os municípios inseriram em suas legislações próprias que a tributação na forma fixa se aplicaria tão somente às sociedades profissionais “que não constituíssem elemento de empresa”; e foi aqui que todo o imbróglio começou. Acabaram por confundir a responsabilidade pessoal e técnica dos serviços prestados pelos sócios (exigidas para o gozo do ISS-fixo), com a responsabilidade social que diz respeito às obrigações que eles assumem em decorrência da própria gestão da sociedade, sobretudo, de ordem financeira e trabalhista.

Não há razão jurídica de proibi-las de se aproveitarem do regime fixo
Para confirmar tal equívoco, há de se analisar com mais detalhe o conceito do elemento de empresa e do próprio direito societário. Para tanto, verifica-se, em primeiro momento, que o Código Civil (CC) distinguiu a atividade empresarial da atividade civil, politicamente, pela importância econômica. Tanto é assim que o legislador qualificou as atividades científicas, literárias e artísticas, consideradas como não empresariais ou civis comuns, nos termos do parágrafo único do artigo 966 do CC, de maneira aleatória.
Toda sociedade, então, terá consigo o elemento de empresa, exceto se tiver por objeto as atividades previstas naquele dispositivo legal. E aqui está o grande ponto: o predicado de ser empresária não se encontra no fato de determinada sociedade estar sob o regime de responsabilidade limitada (forma), mas sim pelo conteúdo que o seu objeto social denota (fim).

Não consiste óbice à tributação pelo regime fixo do ISS, portanto, o simples fato da sociedade encontrar-se constituída sob a forma limitada. Isso não implica que os sócios tenham responsabilidade limitada na prestação dos seus serviços profissionais ou, muito menos, que não atuem pessoalmente na prestação dos seus serviços, até porque as sociedades simples (prestadoras de serviços intelectuais) podem optar pela responsabilidade limitada ou não, conforme dispõe o CC, no seu artigo 997, VIII.
O raciocínio para as Eirelis, então, é o mesmo. Ora, se existirem empresas individuais, cujo ramo da prestação de serviço conste expressamente no Decreto-Lei nº 406, de 1968, bem como o trabalho exercido pelo sócio seja feito de maneira pessoal e sob sua responsabilidade, não há razão jurídica de proibi-las de gozarem do regime fixo de recolhimento.

Observe que a Lei nº 12.441 somente alterou os artigos 44 e 980 do CC, com fins de autorizar a constituição de micro e pequenas empresas de maneira individual sem atrelar responsabilidade ilimitada ao patrimônio da pessoa física, como acontecia, até então, com o empresário individual. Não houve ali qualquer menção à normativa que restrinja o uso da estrutura societária às atividades de cunho intelectual e de natureza científica, previstas como beneficiárias do ISS-fixo.
Se assim o for, não há de se autorizar que uma interpretação oblíqua viole um direito expresso do prestador de serviço constituído como Eireli. Há, portanto, que se reconhecer o direito das Eirelis de recolherem o ISS pelo regime fixo.

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