A corrida para validar os incentivos fiscais
Começa a dar resultado a proposta apresentada pelo ministro Gilmar Mendes para que o Supremo Tribunal Federal (STF) edite uma súmula vinculante que coloque fim à chamada guerra fiscal entre os Estados. Pressionados pela iminência dessa decisão, governadores e parlamentares estão se mobilizando para encontrar uma saída que preserve os incentivos fiscais concedidos até agora, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
A alternativa em discussão é a mudança da lei complementar 24, com o objetivo de acabar com a exigência de unanimidade nas deliberações do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) sobre renúncias do ICMS. A ideia é que, com um quórum menor, o Confaz possa convalidar os incentivos já concedidos. Na próxima terça-feira, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) pretende apresentar o seu parecer ao Projeto de Lei 85, do Senado, que promove essa mudança. O projeto está sendo analisado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
A tendência de Delcídio é propor que as decisões do Confaz sobre a concessão de benefícios fiscais sejam tomadas por três quintos dos Estados e não mais por unanimidade. Nós alteramos a Constituição da República com quórum de três quintos do Senado e da Câmara. Por que o Confaz não pode tomar suas decisões com o mesmo quórum, questiona Delcídio.
Com o objetivo de atrair empresas e investimentos para os seus territórios, os governadores concedem, há décadas, incentivos fiscais sem prévia anuência do Confaz. O Supremo Tribunal Federal decidiu várias vezes que incentivos concedidos nessas condições são inconstitucionais. Mesmo assim, os governadores continuam com as mesmas práticas. Cansados dessa situação, os ministros do STF decidiram fazer uma súmula vinculante para dizer apenas que benefício fiscal sem prévia autorização do Confaz é inconstitucional.
Aprovada a súmula, cada um dos ministros do STF poderá julgar monocraticamente uma ação que questione lei estadual que conceda incentivo fiscal, sem prévia anuência do Confaz. Os julgamentos serão, portanto, rápidos. Todos os incentivos concedidos até agora, e que estão em vigência, poderão ser derrubados imediatamente.
Na semana passada, um grupo de sete senadores, liderados pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), fez um apelo ao presidente do STF, ministro Ayres Brito, para que ele não coloque agora a súmula vinculante na pauta de votação do Supremo. Os senadores pediram um prazo para que o Legislativo possa resolver esse problema.
Durante o encontro, os senadores mostraram que a súmula vinculante poderá criar um caos nas finanças estaduais, pois todos concederam incentivos fiscais ao longo de décadas, sem prévia autorização do Confaz. As próprias empresas que se beneficiaram com esses incentivos ficarão em situação insustentável, pois fizeram grandes investimentos e assumiram dívidas. Ayres Brito ouviu atentamente os senadores e, ao final, disse uma frase que resume a situação. O problema é que os incentivos são inconstitucionais, afirmou, segundo relato de um dos senadores.
Na semana anterior a esse encontro, Ayres Brito tinha recebido uma moção do Conselho Deliberativo da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), na qual os governadores da região fizeram um apelo para que o Supremo suspenda a edição da súmula até que seja aprovada uma reforma tributária que tenha por objetivo, inclusive, a diminuição das desigualdades regionais. Os governadores pediram também que haja uma discussão da questão no Congresso e no próprio Poder Judiciário, que contemple a convalidação de toda a legislação estadual sobre incentivo fiscal em vigor.
A mudança da Lei Complementar 24 parece, portanto, ser o caminho mais provável. Mas o fim da unanimidade no Confaz não é uma questão pacífica. Vai dar uma confusão danada, admite o senador Delcídio. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ), uma das vozes mais ouvidas no Senado, considera que a mudança é um erro grave. A consequência inevitável da quebra da unanimidade no Confaz será a guerra federativa aberta, generalizada e fratricida, diz.
Para Dornelles, os votos de um grupo de Estados no Confaz terão impacto direto não apenas nas finanças públicas, mas também nas condições de concorrência, não só nacionais, como até mesmo setoriais. O que era conhecido como guerra fiscal, feita às escondidas, passará a ser transparente, o que era dado a conta gotas, se tornará uma onda, observa.
Os Estados das regiões Sul e Sudeste temem que a união dos Estados das outras três regiões do país venha a controlar as decisões do Confaz. O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), autor de outro projeto que altera a lei complementar 24, apresentou uma solução para essa questão. Ele propõe que além do quórum de três quintos, as autorizações do Confaz só possam ser feitas com o voto favorável de pelo menos um Estado de cada uma das regiões. A polêmica, no entanto, está apenas no início. O ideal seria que os senadores aproveitassem o momento para aprovar resolução unificando as alíquotas interestaduais do ICMS e adotando o regime de apropriação da receita do tributo no destino. Só assim a guerra fiscal efetivamente acabaria.