SÃO PAULO – Passados quase dez anos desde que foi criado por decreto, em janeiro de 2007, o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) , que unifica a recepção, validação, armazenamento e autenticação de livros e documentos da escrituração contábil e fiscal, obrigou empresas em atividade em todo o País a se adequarem a leis, normas e regulamentos internos e do Fisco.
Também diminuiu o uso de toneladas de papel ao transferir obrigações acessórias e informações para o ambiente digital, fruto do salto tecnológico e de uma realidade do mundo de hoje difícil de ser ignorada. As empresas, independentemente do porte e segmento, se reorganizaram e arrumaram a casa para ter maior eficiência no controle fiscal e tributário.
Mas essa quase década que ficou para trás, e na qual boa parte do novo sistema foi implantada, não resolveu o que os empresários chamam de “barbárie tributária”. As empresas se transformaram em “prestadores de informações ao Fisco”, despendendo altos custos para manter suas declarações e obrigações fiscais em dia e atualizadas, além de terem de cumprir, todo final do mês, deveres acertados com fornecedores e empregados. “O Fisco é um bom cobrador, mas é também um mau empreendedor do dinheiro arrecadado, se apresentando como sócio oculto e maléfico”, critica Márcio Fernandes da Costa, presidente do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomercio-SP e do Conselho de Defesa do Contribuinte (Codecon).
“Temos um problema de berço de difícil trato, que é o federalismo. É uma divisão de poderes impiedosa que torna o contribuinte refém em todos os aspectos do sistema tributário”, emenda Geuma Nascimento, sócia da Trevisan Gestão & Consultoria (TGeC) e especialista no novo modelo de escrituração imposta pelo governo federal. O Sped simplificou e acelerou o trabalho de contadores em atendimento e de auditores fiscais, mas tudo isso poderia ser bem mais benéfico sem a “guerra fiscal” que afeta a vida das empresas.
Para Geuma, esse é um dos entraves do sistema tributário que o novo sistema não corrigiu, e jamais corrigirá, pois o Sped não alterou, e nem vai alterar, sistemas ou leis. Além de tudo isso, acrescenta Gildo Freire de Araújo, vice-presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo (CRC-SP), o custo de um sistema de controle nesses moldes para muitas empresas e segmentos foi caro e difícil de ser implementado, especialmente neste momento econômico.
Apesar dessas deficiências, onerações e forma como foi imposto, o que antes era difícil sem o Sped hoje passou a ser uma questão de sobrevivência para as empresas, que podem cruzar dados contábeis e fiscais antes de enviá-los ao Fisco. Com esse sistema é também possível combater a sonegação.
E, para aqueles que ainda resistem à implantação do novo sistema de escrituração digital, precisam saber que a gestão tributária hoje precisa ser realizada por meio dele. “O governo não retroagirá, não abandonará essa ferramenta de fiscalização. Logo, cada um precisa fazer sua lição de casa. Estruturar e informatizar ao máximo os seus processos. Assim, a cada nova tipologia do Sped haverá menos trauma”, diz Geuma.
De fato, ainda há etapas pendentes que devem significar fortes ajustes, altos custos e dor de cabeça às empresas. Entre elas, o uso do chamado Bloco K, em substituição ao livro de Controle de Registro de Controle de Produção e do Estoque, que, a partir de 1º de janeiro próximo, será obrigatório.
Ainda tem o e-Social Empresa, que envolve todo o processo da relação entre a empresa, empregado e governo. Estão também pendentes a Escrituração Fiscal Digital das Retenções e Informações da Contribuição Previdenciária Substituída (EFD Reinf) e a e-Financeira.
Para a Receita Federal, as mudanças até agora foram graduais, permitindo a adaptação das empresas aos módulos sem muitas dificuldades. Clovis Belbute Peres, chefe da Divisão de Escrituração Digital da Receita, acredita que se fechou um ciclo do Sped, com cinco documentos fiscais e sete escriturações, incluindo a EFD Reinf, que ainda não foi instituída. “Com isso, não há mais módulos novos no horizonte. O que se deve buscar daqui em diante é a simplificação e a harmonização do que já existe”, diz.
Mas existem ainda alguns problemas inerentes ao modelo do sistema apontados por entidades como o Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis de São Paulo (Sescon-SP). Sérgio Approbato Machado Júnior, que preside o Sescon-SP, explica que a instabilidade das regras e das normas tributárias não permite que o Sped funcione direito. “O modelo é bom, na teoria. Mas, na prática diária, é muito complicado. Nem mesmo a Receita Federal tem como cruzar 100% os dados das empresas”, argumenta Approbato.
Para o executivo, a forma como o Sped foi imposto pelo governo não se mostrou a mais adequada, até porque o modelo foi baseado na estrutura de grandes corporações. O que, segundo ele, pegou as pequenas e médias empresas (PMEs) de “calças curtas”, pois não sabiam o que fazer. “A realidade das PMEs é diferente. Aquele modelo foi errado”, diz Approbato.
Outro erro apontado pelo presidente do Sescon-SP é o fato de o governo ter “negligenciado” a orientação sobre o sistema. “Divulgação e treinamento para as empresas nota zero”, afirma. Segundo ele, os contadores sofreram muito para convencer seus clientes a lançar mão do Sped. “Não podemos esquecer que, em regiões remotas do País, sequer existe banda larga. Tudo aí é feito na base do discado. Então, trata-se de uma situação não estudada, não devidamente planejada”, critica. Approbato faz questão de ressaltar que não é contra o modelo, até porque trouxe modernidade. “Trata-se de um sistema voltado à fiscalização. Mas não houve divulgação maciça. Os empresários foram obrigados a investir sem ter condições financeiras e nem apoio do governo”, aponta Approbato.
Peres, da Receita Federal, tem percepção pouco mais otimista ao lembrar que o Sped mudou o mercado de contabilidade. “Inovou ao disseminar o uso de certificação digital e eliminar ambientes abarrotados de papel. Consolidou a era dos sistemas de informação gerenciais nas empresas e nos escritórios e sobretudo, e esse é um ponto menos notado por vezes, contribuiu para a valorização do contador, que assumiu uma posição estratégica nas empresas clientes”, diz.