Não são poucas as pessoas que após anos de dedicação a uma determinada profissão, empresa e até mesmo relacionamento param e para fazer um retrospecto e sentem uma insatisfação pessoal que por mais desejem identificar quais são suas raízes, sentem-se como se precisassem recomeçar tudo novamente ou, então, dar um novo sentido às suas vidas. Isso é muito comum quando ao homem contemporâneo, pois grande é a parcela mundial que se entrega à aceleração tecnológica, às pressões do trabalho e, por vezes, deixam sua qualidade de vida e o próprio bem-estar em décimo plano. Mas há um momento em que o “copo transborda” e tudo vem à tona. Quando isso ocorre já não dá mais para fechar os olhos e seguir no automático, como se tudo estivesse transcorrendo às “mil maravilhas”.
Para Paulo Vieira, coach internacional e presidente da Febracis (Federação Brasileira de Coaching Integral), a velocidade dos pensamentos é assustadora, e para muitos se torna preciso ocorrer um baque, um momento de ruptura ou de dor intensa para se repensar a vida: o filho precisa ter problemas sérios para o pai repensar a relação entre os dois; uma doença necessita surgir para que a pessoa passe o cuidado com a saúde virar rotina. “Contudo, alguém sábio tem a sensibilidade de andar na velocidade adequada para olhar a vida e questionar se está tudo certo, mas quem não tem esse nível de maturidade e sensibilidade emocional, só para quando não há mais jeito de seguir”. Em uma interessante entrevista concedida ao RHcom.br, Paulo Vieira que é autor do livro “O Poder da Ação, Editora Gente”, fala, ainda, sobre os impactos da aceleração da carreira proporciona ao homem e o preço que temos sido obrigados a “pagar” por não repensar nosso modo de vida, seja campo pessoal ou profissional. Boa leitura e aproveite a chance de repensar o que pode ser melhorado no seu dia a dia!
RH.com.br – A insatisfação profissional é um sentimento que acompanha a vida de muitas pessoas. Por que grande parte das pessoas só se dá conta de que precisava ter agido de outra forma, quando vários anos já se passaram?
Paulo Vieira – As pessoas estão vivendo no modo automático. O mundo está tão acelerado com trabalho, tecnologia, celular, computador, internet, contas para pagar… Por conta disso, as pessoas não param. A velocidade dos pensamentos é assustadora, é preciso ocorrer um baque, um momento de ruptura ou de dor intensa para se repensar a vida: o filho precisa ter problemas sérios para o pai repensar a relação entre os dois; uma doença precisa surgir para então o cuidado com a saúde virar rotina. Contudo, alguém sábio tem a sensibilidade de andar na velocidade adequada para olhar a vida e questionar se está tudo certo, mas quem não tem esse nível de maturidade e sensibilidade emocional, só para quando não há mais jeito de seguir. Somente assim, há questionamento e se identifica com clareza a insatisfação com o estado atual.
RH – A necessidade de dar uma guinada pode vir em qualquer fase da vida ou se concentra em momentos mais específicos?
Paulo Vieira – A grande guinada da vida vem mediante alguma demanda. Há pessoas cuja demanda na infância foi tão grande, que já na adolescência querem estudar, querem prosperar. Há casos em que as cobranças da vida só vêm na fase adulta, mas para algumas pessoas essa demanda nunca vem. A vida passa e o indivíduo não fez nada, não realizou nada, não construiu nada, pois o estilo de vida dele não gerou demanda. O que nos tira da zona de conforto na maior parte das vezes é uma demanda física, um desconforto intenso. Há quem passe a vida em um extremo desconforto e quando o eliminá-lo simplesmente param de buscar mais. Também há quem seja tirado da zona de conforto pelos sonhos, pelos objetivos.
RH – Fazer uma autoavaliação é fundamental para encontrar as raízes que geram a insatisfação?
Paulo Vieira – Toda mudança começa de um ponto de partida. No Coaching Integral Sistêmico, por exemplo, nós chamamos isso de identificação do estado atual. Olha-se para áreas específicas da vida, para as circunstâncias, e questionamentos são feitos: como está meu casamento, minha saúde, meu estilo de vida? O que estou vivendo hoje é o que quero, de fato, para mim? Saber qual é o estado atual é fundamental, pois a vida parte daí, ela se faz e se perfaz no ato de sair de um local e ir para outro, de deixar um nível e ir para outro.
RH – Quais os principais fatores que contribuem para a insatisfação humana, notadamente no campo profissional?
Paulo Vieira – Há dois motivos: ou a pessoa não tem uma visão clara, um objetivo claro da sua carreira, ela trabalha sem um motivo e, por isso, se desmotiva ou ela se deixa levar por um estilo de vida muito acelerado. A grande questão da vida profissional, ou em qualquer área da vida, é entender o seu porquê, a sua razão, o seu objetivo: o que te motiva? O que te apaixona? O que te move? Mas as pessoas não sabem os seus porquês, não sabem quais são suas metas e mesmo assim continuam trabalhando. Como se pode realizar algo se não há consciência do que se quer realizar? O ser humano é movido por realizações, por aquilo que construiu. Quando o profissional trabalha só por dinheiro, a insatisfação e a desmotivação vêm ao longo do tempo. Nenhum trabalho vale o sacrifício se for por dinheiro apenas, porque essa motivação rapidamente se consome. As pessoas estão trabalhando sem um porquê, sem um objetivo e vão se desmotivando ou porque não realizam ou porque não são reconhecidas. Já em um estilo de vida muito acelerado profissionalmente, as pessoas sabem os seus porquês, gostam do que fazem, geram resultados, ou geram pelo menos algum resultado palpável, têm algum reconhecimento, mas não conseguem equilibrar a vida profissional com a vida pessoal. Nesses casos, elas estão produzindo no campo profissional, mas estão destruindo seus relacionamentos, prejudicando a saúde, a vida social e chega um momento em que elas em vez de adequar o seu ritmo, tem um surto profissional, abandonam tudo, desistem. Venho observando isso acontecer com mulheres talentosíssimas. Por não conseguirem equilibrar suas carreiras com a vida pessoal, chega um momento em que repensam tudo, os filhos nascem e essas mulheres jogam tudo para o alto para poderem ter uma vida pessoal mais plena. As pessoas precisam equilibrar o profissional com o seu estilo de vida, sendo produtivas, mas respeitando o bem-estar e a qualidade de vida.
RH – Em seu livro O Poder da Ação, Editora Gente, o senhor afirma que é possível quebrar o ciclo da insatisfação. Por onde se deve começar esse processo de mudanças?
Paulo Vieira – Dentro de si. As pessoas querem mudar o chefe, mudar a maneira que a empresa trabalha, mas na verdade isso não vai mudar, a pessoa resolve seu problema de insatisfação mudando internamente. A primeira coisa é estar atento a quais são os seus valores? O que te move? O que é importante para você pessoal e profissionalmente? Quais são realmente os seus valores? Existindo essa consciência dos valores, você está pronto para a segunda etapa: estabelecer metas e objetivos pessoais e profissionais que respeitem esses valores, pois o que se costuma ver são pessoas que estão em uma empresa e não questionam seus valores. Pode ocorrer da maneira daquela empresa trabalhar ir de encontro aos seus valores e à pessoa, dessa forma, ficar insatisfeita, ou pode ocorrer de o estilo de vida que se está levando trabalhando naquela empresa vai de encontro aos seus valores. O primeiro passo é identificar quais são os seus valores, o que é importante para você. Seus porquês estão claros na sua mente? Sabendo disso, trace os seus objetivos. Você sabe quais são os seus objetivos na empresa em que trabalha? Quais são os seus objetivos de vida? Como você concilia os seus objetivos de vida com os seus objetivos profissionais? A conciliação dos objetivos profissionais e das pessoais precisa ser trabalhada. Caso contrário, alguém sempre está perdendo: a empresa, ou a vida pessoal ou profissional. Alinhe seus valores e os adeque a suas metas pessoais e profissionais. Quando isso acontece, a vida segue feliz, na melhor maneira que pode ser, respeitando os valores da pessoa. Assim, a insatisfação deixa de existir.
RH – Que ferramentas o indivíduo pode adotar, para se livrar definitivamente livre da insatisfação?
Paulo Vieira – Essa não é uma resposta fácil de dar. Primeiro, é preciso entender até que ponto essa insatisfação é benéfica e até que ponto ela é ruim. A insatisfação, assim como o estresse, é boa. Ninguém pode dizer que o estresse é ruim, o estresse é bom, o que é ruim é o estresse em alto nível e sem uma trégua. A mente humana quando é estressada e tem um tempo de repouso e descanso, torna-se uma mente mais alerta. Primeiro, é preciso entender que insatisfação não é ruim, como o medo não é ruim. Medo, estresse e insatisfação não são ruins. É bom ter medo, é importante ter medo, porque o medo me alerta para não fazer coisas que podem botar minha vida em risco. Uma pessoa fica forte quando ela estressa os seus músculos com atividade física intensa, o músculo rompe as fibras e depois quando cicatriza, cicatriza mais forte. A mesma coisa acontece com a insatisfação. É ela que move pra mudança, a questão é que nível de insatisfação é esse?
RH – Durante a aplicação das ferramentas de mudança, deve-se fazer um processo de avaliação de metas para que o foco não se perca?
Paulo Vieira – Sempre! Como eu falei, a primeira coisa é saber quais são os seus valores. Imagine um executivo que tem a família como um valor muito forte. Ele, então, recebe uma proposta profissional na qual terá de passar de 20 a 25 dias por mês fora de casa. Ele aceita a proposta porque satisfaz os objetivos profissionais dele, mas o seu valor família não é respeitado. Com o tempo, a família ficar desguarnecida e vendo a família ir por água abaixo, a produtividade dele cai e ele perde profissionalmente grandes resultados. A pessoa tem de saber quais são os seus valores, quais são as suas metas pessoais e profissionais. Mas o que ocorre é as pessoas querem viver uma vida plena só com metas pessoais, ou só com metas profissionais. Isso não existe. Um bom coach, um bom profissional, vai trabalhar para que exista complementaridade entre essas metas. Estabelecidas essas metas, aí sim nós vamos bolar todo tipo de estratégia para se manter, para se validar essas metas, vamos fazer plano de ação, vamos ver efetivamente as metas, vamos fazer mapas, murais representativos das metas e aí vem uma série de ferramentas pra se manter o foco.
RH – Já que falamos de foco, o que se torna imprescindível para não perdê-lo?
Paulo Vieira – O primeiro passo é ter uma imagem do que se quer, não uma dissertação, mas uma descrição em forma de imagem, que pode ser uma carreira, um cargo, um pro labore ou um desafio especifico. Deve-se ter uma visão positiva sobre o objetivo e quando eu falo em visão, refiro-me a uma imagem mesmo, que pode ser do cargo, da filial, da empresa. O segundo passo é alimentar o foco, você precisa pesquisar sobre esse objetivo, sobre essa imagem, preciso falar sobre ela, precisa buscar pessoas que também são motivadas por isso, precisa ler e estudar sobre isso, precisa falar para as pessoas certas. Dessa maneira, você cria energia, o que eu chamo de foco comportamental. Comportamentos, falas e ações são gerados e assim se coloca energia em torno do alvo. E por último é o foco constante, que é manter-se olhando pra figura, pensando na figura, mas também dedicar o tempo necessário fazendo tudo isso, olhando, falando, se comportando, pesquisando, observando, comunicando, estudando, lendo, agindo até que de fato essa visão se torne realidade.
RH – Na fase em que está tentando desligar-se da insatisfação, é aconselhável que o profissional recorra a algum mentor?
Paulo Vieira – Primeiro é preciso definir quem é o mentor, é um mentor profissional, é um mentor de carreira, é um especialista em carreira? Se ele for um profissional, ele vai ter muitas ferramentas de assessment – avaliação, de identificação de perfil, estratégia, planejamento. Se não é um profissional especifico de carreira que você busca, contrate então um coach, uma pessoa que saiba criar um plano de ação, uma estratégia precisa e focada, e saiba envolver nele os atributos de conhecimento, de habilidade, de atitudes necessárias pra chegar num alvo específico, que pode ser sair de uma empresa “X” para uma empresa “Y” ou sair de um cargo “A” para um cargo “B”. Para isso acontecer, existe toda uma programação, toda uma tecnologia de coaching, que vai levar a pessoa, se for um bom coach, um coach integral sistêmico, ele faz isso com muita propriedade, trabalhando conhecimento, habilidades e conteúdos, trabalhando estratégias, os componentes emocionais, a estrutura emocional, as competências emocionais, refazendo e reprogramando crenças que adequem a pessoa a um novo cargo, a uma nova empresa, a um novo desafio.
RH – Alguma dica para quem se encontra em um momento de insatisfação profissional e deseja dar uma virada 360º?
Paulo Viera – Primeiro, mensure o estado atual, como qualquer coach profissional sério faria. Quem sou eu hoje como profissional? Quais são os meus talentos? Quais são os meus atributos? Qual o meu potencial? Quais são os resultados que eu gerei na empresa? Com muito critério, mapeia-se o estado atual profissional. Esse passo é fundamental para que a pessoa não se engane, para que ela não pense dela algo que o mercado não pensa, que ela não julgue ter um nível de competência e de capacidade de gerar resultados que – de fato – não tem ou que pelo menos não tem para determinado tipo de empresa. O segundo passo é estabelecer metas. Qual o seu objetivo profissional? É carreira, é cargo, é função? É outra empresa? O que de fato se quer. Sabendo disso, vamos adequar, conciliar esse momento com o objetivo. O seu objetivo é condizente com o seu potencial e sua capacidade de gerar resultados? Se o cargo estiver aquém das potencialidades, cria-se uma estratégia cognitiva, um plano de desenvolvimento individual, identificam-se quais os saberes essa pessoa precisa. Mas se a questão não for intelectual e sim emocional, o Coaching Integral Sistêmico traça um plano de desenvolvimento emocional para preparar emocionalmente para o desafio que vem à frente. Mas se não atende é preciso identificar qual é o estado atual dessa pessoa, o nível de competência, a capacidade de gerar resultado hoje, estabelecer os objetivos que ela tem e ver em que ponto isso é coerente, ela vai estar dando um salto sem paraquedas, totalmente despreparada.
Fonte: Para Paulo Vieira, coach internacional e presidente da Febracis