Oito em cada dez municípios brasileiros estão em situação fiscal difícil ou crítica, mostra o Í;ndice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), divulgado nesta quinta-feira (18). O grande vilão da gestão das contas das prefeituras são os gastos com pessoal. O IFGF nacional de 2013 ficou em 0,4545, o pior resultado desde o início da série histórica, em 2006. A queda em relação a 2012 foi de 10,5%, a maior desde 2009, quando as contas públicas foram abaladas pela crise internacional de 2008.
A Federação das Indústrias do Rio analisou as contas de 5.243 das 5.570 cidades do País (324 não forneceram informações confiáveis), e concluiu que 15,2% delas descumprem a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, que determina o equivalente a 60% das receitas como teto para as despesas com a folha de pagamento do funcionalismo municipal.
Os dados são de 2013, e o cenário deve ter piorado ainda mais em 2014, ano de forte deterioração das contas públicas, que registraram déficit primário na conta global, com Estados e União. “O problema fiscal brasileiro, que vimos em âmbito federal, sobretudo em 2014, é também um problema municipal”, diz o gerente de Estudos Econômicos da Firjan, Guilherme Mercês.
Em todo o País, apenas 18 prefeituras têm gestões de excelência, ou seja, com índice acima de 0,8 – em 2012, eram 74. Esse é o menor número desde 2006. Outras 808 (15,4% do total) possuem gestão boa, com notas entre 0,6 e 0,8, enquanto 84,2% têm nota abaixo de 0,6 e são classificadas pela Firjan nos conceitos C (gestão em dificuldade) e D (gestão crítica).
Segundo Mercês, os maus resultados são explicados por um quadro negativo e estrutural das finanças de cidades, Estados e União nos últimos anos: a receita cai, seja por causa da desaceleração do crescimento da economia, seja pelas desonerações fiscais que tentaram animar a atividade econômica nos anos de crise, mas os gastos obrigatórios seguem em crescimento vegetativo. Nas prefeituras, as despesas com o funcionalismo têm o maior peso no orçamento obrigatório.
“O índice de 2013 foi determinado pelo binômio aumento dos gastos com pessoal e queda nos investimentos”, afirma Mercês. A resposta das prefeituras para o desequilíbrio entre receitas e despesas é a diminuição dos investimentos em educação, saúde e infraestrutura urbana. Assim, as contas não degringolam de vez, porém ruas ficam esburacadas ou deixam de ser asfaltadas, postos de saúde ficam em situação precária e a escola que falta em determinado bairro deixa de ser construída.
Outra saída, além de cortar investimentos, é empurrar despesas de um ano para serem pagas no exercício seguinte, deixando obrigações nos “restos a pagar”. Segundo a Firjan, as obrigações em circulação, formadas quase na totalidade por restos a pagar, somaram R$ 31,6 bilhões em 2013, contra R$ 18,6 bilhões em 2006, com valores já atualizados pela inflação. De 2006 a 2013, houve alta todos os anos, acumulando um aumento real de 70,3%.
De acordo com o economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, apenas no Orçamento federal deste ano, são R$ 226 bilhões registrados como restos a pagar de exercícios anteriores. A postergação de despesas, sobretudo repasses de programas sociais e pagamentos de subsídios a bancos públicos, está na origem da contabilidade criativa e das “pedaladas fiscais” que podem levar à rejeição das contas do governo federal de 2014 pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mas não é esse o caso das prefeituras, diz Almeida.
“O governo federal tem mecanismos para isso. No caso dos municípios, é muito mais atrasos de pagamentos. Não é ilegal, não é pedalada”, explica o economista.
Os dados do IFGF mostram que as desigualdades regionais do País se reproduzem nas contas das prefeituras. As melhores gestões estão nas regiões Sul e no Sudeste e as piores, no Nordeste e no Norte.
No topo do ranking estão cidades pequenas em locais que concentram atividades econômicas: as vizinhas Conceição do Mato Dentro, de 18,3 mil habitantes, e Alvorada de Minas, de 3,7 mil habitantes, em Minas Gerais, e Gramado (RS), de 34,1 mil habitantes. As duas primeiras foram beneficiadas pelo projeto Minas-Rio, maior mineroduto de ferro do mundo – o projeto da mineradora Anglo Americana atrasou e viu seus custos explodirem, mas gerou recursos elevados para as prefeituras. No caso da cidade da serra gaúcha, é o forte fluxo de turistas que movimenta os negócios e garante receitas.
Os municípios, sobretudo os mais pobres, dependem de transferências federais e estaduais: 83% das prefeituras não geram nem 20% de suas receitas, e o quadro se mantém estanque desde 2010. Os dispêndios com investimentos caíram 67,9% em relação a 2012. Quando decrescem os investimentos e a capacidade de geração própria de receita, componentes do IFGF, o indicador global da cidade cai junto.
Almeida lembra que a dificuldade de arrecadação está associada com a falta de “base econômica” em muitos municípios. As prefeituras de cidades muito pequenas em regiões pobres convivem com pequenas populações e baixa atividade econômica, dificultando a arrecadação do ISS, cobrado de estabelecimentos comerciais, e do IPTU, os dois principais impostos recolhidos em âmbito municipal.
Mercês, da Firjan, vê um número excessivo de municípios, o que eleva os gastos com custeio de pessoal, pois cada cidade tem que ter uma estrutura administrativa, no executivo e no legislativo, o que desperdiça ganhos de escala – um município maior tem mais base para arrecadar.
Essa é a terceira vez que os dados compilados pela Firjan são divulgados. Baseado em números fornecidos pelas prefeituras à Secretaria do Tesouro Nacional, o IFGF tem cinco componentes: a receita própria do município, os gastos com pessoal, os investimentos, o custo da dívida de longo prazo e a liquidez (suficiência de caixa).