São Paulo – Apesar de várias tendências globais do direito empresarial serem vistas no Brasil, a resolução de conflitos por mecanismos alternativos à Justiça ainda engatinha. No mundo, empresas têm procurado cada vez mais fugir do sistema judicial, muito caro e demorado.
O diagnóstico é do sócio da área legal da KPMG no Brasil, Marcos Matsunaga, com base no estudo ‘Além do Horizonte’, feito pela empresa de auditoria em nível mundial. “Conseguimos ver grande parte dessas tendências [mundiais] aqui. Mas há um aspecto da pesquisa que é mais incipiente, talvez pela tradição jurídica brasileira. É a resolução de disputas”, diz.
Ele explica que em todo o mundo as empresas têm procurado escapar das disputas judiciais, que trazem altos custos às organizações. No Brasil, porém, os mecanismos que viabilizam esse tipo de acordo são mais escassos. “É algo que está um pouco mais longe da nossa realidade”.As disputas em relação ao pagamento de impostos seriam um grande exemplo disso, de acordo com Matsunaga. “O Brasil talvez seja o País, ao lado da Índia, que tem o maior volume de contencioso tributário do mundo”, acredita.
Segundo o relatório Justiça em Números deste ano, publicado há algumas semanas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Brasil existem 27,7 milhões de ações de execução fiscal. Além do número representativo de ações, os processos envolvendo cobrança de impostos parecem ser os mais complicados. O índice de congestionamento desse tipo de processo é o mais elevado; chega a 91%. Ou seja, de cada 100 ações na Justiça, apenas nove são resolvidas por ano.
De acordo com Matsunaga, as ações são tantas porque na grande maioria dos casos a Fazenda é obrigada a ajuizar a execução fiscal, mesmo se não há chance de vitória.
Conflito
Uma situação que serve como exemplo é a taxa de juros cobrada pela Fazenda paulista em caso de atraso no pagamento de imposto. Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) já julgado que a taxa é excessiva, a Fazenda continua cobrando o juro alto.
“Nessa discussão, 100 entre 100 casos serão julgados a favor do contribuinte. Mas necessariamente vai haver execução fiscal”, afirma Matsunaga.
Além da valorização da resolução de disputas – ponto fraco do Brasil – o estudo da KPMG revelou outras tendências. As entrevistas com diretores jurídicos mostram, por exemplo, que as empresas estão cada vez mais atentas à rigidez das agências reguladoras e aos riscos dos terceiros.
Para Matsunaga a crise de 2008 motivou o maior rigor das agências reguladoras ao redor do mundo. “Aqui no Brasil as questões regulatórias dizem respeito a uma série de entidades, como os Procons, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Banco Central, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e outras”, diz.
Já a contratação de terceiros é um tema ainda mais presente no Brasil. A controvérsia começa com a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que proíbe atuação de terceiros em atividades-fim. Sem definição clara do que são tais atividades, a regra já rendeu multas milionárias a grupos como Petrobras e Vale.
A ainda não regulamentada lei anticorrupção (nº 12.846/2013), que pune empresas pelas fraudes, é outra que aborda os terceiros. Se o ato ilícito for cometido por prestador de serviços, a contratante também é responsabilizada.