Desde a publicação do trabalho seminal de Meese e Rogoff em 1983 (R. A. Meese e K. S. Rogoff. Empirical Exchange Rate Models of Seventies: Do They Fit Out of Sample?; em Journal of International Economics), os economistas se tornaram cautelosos – para não dizer inibidos – em apresentar modelos estatísticos voltados a explicar ou a prever o comportamento da taxa de câmbio. No artigo citado, os autores mostraram que modelos para a taxa de câmbio, muito populares nos anos 70, tendiam a apresentar baixíssima capacidade de previsibilidade. Mais do que isso, tais modelos não conseguiam suplantar nem sequer aqueles que descrevem as variações da taxa de câmbio como um processo completamente errático, sem qualquer relação com seus valores passados ou com variáveis explicativas. Se eu tomasse a valor de face as conclusões de Meese e Rogoff, não deveria escrever este artigo.
Felizmente, há trabalhos, também produzidos por autores respeitáveis, mais alentadores para os economistas e seus leitores. Por exemplo, Charles Engels, professor do Departamento de Economia e Finanças da Universidade de Wisconsin e membro do National Bureau of Economic Research (NBER), publicou em 2006 excelente artigo que, resumidamente, mostra: 1) a falha dos modelos para prever as mudanças das taxas de câmbio não é uma forte evidência contra a qualidade dos mesmos; 2) os bons modelos não são tão excessivamente voláteis como a literatura já chegou a aceitar; e 3) as taxas de câmbio respondem às novas informações sobre os fundamentos futuros da economia na maneira prevista pelos modelos. Há muitas outras pesquisas sérias com conclusões semelhantes.
Faço essa digressão teórica para justificar por que resolvi usar os tão desgastados modelos estatísticos para tentar entender as oscilações da taxa de câmbio no Brasil. Passemos, então, à análise da questão.
O déficit brasileiro na conta corrente com o exterior (diferença entre as exportações e as importações de bens e serviços, inclusive pagamento de juros e dividendos) vem mostrando expressiva deterioração, tendo saltado de US$ 54,23 bilhões (ou 2,41% do PIB), em 2012, para US$ 81,37 bilhões (3,66% do PIB), em 2013. Como diversas vezes abordei neste espaço, a chamada “nova matriz macroeconômica”, marca registrada da política econômica heterodoxa do governo atual, fragilizou a economia brasileira, que vem registrando, além da piora das contas externas, baixo crescimento, inflação elevada e deterioração das finanças públicas.
Além disso, cresce entre os investidores externos a aversão ao risco em relação aos países emergentes, não só pelos problemas econômicos e políticos que vários desses países vêm enfrentando, como também por muitas incertezas sobre a economia mundial, principalmente quanto ao desempenho da economia chinesa e ao ajuste da política monetária nos Estados Unidos.
O quadro resumido nos dois parágrafos anteriores tem levado muitos analistas de inquestionável competência a prever que o real registrará expressiva depreciação ao longo do corrente ano, podendo alcançar R$ 2,60 por dólar, ou bem mais, com baixa probabilidade de reversão rápida dessas cotações. Apesar de ser um crítico duro da política econômica brasileira atual, não concordo com essas projeções pessimistas para a taxa de câmbio. Vejamos por quê.
Para o curto prazo, desenvolvemos um modelo estatístico que relaciona a taxa nominal de câmbio diária a variáveis que medem a força do dólar em relação às demais moedas, o risco soberano do Brasil (conhecido como EMBI) e a taxa interna de juros para prazos de 360 dias. As taxas de câmbio “projetadas” por esse modelo se aproximam razoavelmente bem das efetivamente observadas, indicando que o câmbio atual não se encontra muito distante daquele compatível com os fundamentos.
É claro que não se pode descartar, mesmo em curto prazo, movimentos bruscos na taxa de câmbio, em função de piora repentina de um ou mais desses fundamentos (por exemplo, queda expressiva do preço das commodities ou elevação significativa nos juros norte-americanos). Mas o ponto que quero defender é que essa depreciação tenderia a apresentar um overshooting e não seria sustentável, por três importantes razões.
A primeira é que, contrariamente ao que ocorria até o início da década passada, atualmente o setor público brasileiro é credor em moeda estrangeira no valor aproximado de US$ 250 bilhões. Nessas condições, a depreciação do real melhora a situação fiscal, pois reduz a dívida líquida do setor público e isso funciona como um amortecedor automático.
A segunda é que custa caro apostar contra o real, dado o patamar atual da taxa de juros: mais de 11% ao ano para aplicações com prazo de 360 dias e, para horizontes maiores, digamos, cinco anos, cerca de 13% ao ano.
A terceira razão tem a ver com o que considero como a taxa real de câmbio de equilíbrio de longo prazo, apurada num robusto modelo estatístico que relaciona o saldo em conta corrente como porcentagem do PIB à taxa de câmbio real e ao diferencial de crescimento entre o resto do mundo e o Brasil.
O espaço que disponho não permite entrar em maiores detalhes sobre esse trabalho, mas creio ser suficiente destacar que, num cenário em que o crescimento econômico brasileiro se mantém 1 ponto porcentual abaixo do crescimento global (o que é bem provável, pelo menos para os próximos três anos), uma taxa real de câmbio equivalente à taxa nominal atual de R$ 2,40 reduz o déficit para 2% do PIB em 2016 e torna nossa conta corrente superavitária em 2019.
Se a análise aqui desenvolvida estiver correta, ela nos conduz a duas conclusões principais. A primeira é que não há razão para temer uma expressiva e desordenada depreciação do real. A segunda é que se ressalta, mais uma vez, o equívoco dos analistas que defendem o ativismo cambial (pró-depreciação) como um instrumento de política econômica eficaz para promover o crescimento econômico brasileiro.
* Economista, diretor da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda.