Quando parte da população toma as ruas, com mensagens em cartazes como “Queremos saúde e educação”, a revolta é contra uma política fiscal ineficiente, que se esconde atrás de um sistema tributário caótico há mais de 20 anos. A alta carga de impostos está aliada a contribuições escondidas em cada compra de supermercado, o que faz com que pessoas de menor renda paguem proporcionalmente mais do que as mais ricas. São tantas taxas sobre taxas que é quase impossível apontar para onde vai a arrecadação dos governos federal, estadual e municipal, que beira os 40% de tudo o que é produzido no Brasil e resulta em serviços de péssima qualidade.
A reforma tributária no País, em discussão há mais de 20 anos, poderia inicialmente apenas simplificar a compreensão para baratear processos. Bandeira de economistas e entidades como o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) e o Movimento Brasil Eficiente (MBE), o principal ponto é agregar taxas sobre o consumo, como os impostos sobre serviços (ISS), sobre produtos industrializados (IPI) e sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), em apenas um, o imposto sobre valor agregado (IVA). No bolo único, haveria uma fatia percentual para cada estado e município, sem queda na arrecadação. O mesmo ocorreria em tributos sobre a receita, com a unificação do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Parece pouco, mas a expectativa é que apenas essas medidas beneficiem empresas, com o corte de custos, e consumidores, com a queda de preços. O coordenador do MBE, Paulo Rabello de Castro, dá um exemplo prático. “Se um produtor de extrato de tomate põe o produto na lata e leva para um distribuidor com uma nota fiscal, são sete tributos envolvidos nessa transação”, diz. Presidente do IBPT, João Eloi Olenike lembra que são 80 taxas do tipo no País, além do fato de o ICMS ter regras diferentes em cada um dos 27 estados. “O sistema do Brasil não permite, por exemplo, que todos os créditos pelo que se paga possam ser abatidos no imposto a se pagar”, afirma.
Simplificar a conta faria com que esforços e custos com contabilidade pudessem ser direcionados para o crescimento empresarial. O País lidera o ranking de tempo gasto com obrigações tributárias, com 2,6 mil horas por ano, segundo a pesquisa da consultoria PricewaterhouseCoopers, de 2009. A Venezuela aparece na segunda colocação, com menos de 1,5 mil horas, mas a maioria das nações usa menos de 500.
Gastos errados
Existem 11 projetos de reforma tributária engavetados no Congresso, ao menos desde 1992, diz Olenike. Todos ficaram no papel pelo medo de que a arrecadação para estados ou municípios caia ou de que fique claro como o governo é ineficiente na hora de gastar os recursos. “O maior problema é o baixo retorno em investimentos em infraestrutura, educação, saúde, porque o custo maior é com a máquina, com funcionários demais. Poderia ser mais enxuto”, diz.
Castro afirma que o segundo ponto da reforma seria aumentar a eficiência nas contas públicas, para reduzir gradativamente o percentual de impostos até que ficasse entre 25% e 30%. Porém, diz que a arrecadação não cairia. “Os empresários teriam maior competitividade no mercado e gerariam mais empregos e consumo, o que faz a roda do crescimento girar”, diz.
Olenike diz que o povo nas ruas não pede menos impostos, mas uma aplicação responsável. “A reforma não vai diminuir a carga tributária, a não ser que se diminua o gasto”, diz. Para Castro, trata-se da denúncia do caos na gestão fiscal. “A leitura que o povo faz é pelo resultado final, em que muito é arrecadado e pouco é devolvido.”