Escrita Contabilidade

Natureza jurídica do pedágio: Preços público ou taxa?

Uma dúvida bastante comum diz respeito à natureza jurídica do pedágio: se possui natureza jurídica de taxa ou de tarifa (preço público). A discussão em sua essência diz respeito ao estudo da diferença entre preço público e taxa, pois é nesta seara onde se busca um critério que nos diga de forma segura e objetiva como determinado serviço público poderá ser remunerado.
Aviso desde já aos navegantes que os mares são turbulentos e não há ainda resposta definitiva nesse assunto.
Para nivelarmos todos os amigos e amigas leitores, é importante abordar de forma bem sucinta as principais características que separam as taxas dos preços públicos, até para que a discussão de ser o pedágio uma coisa ou outra se justifique bem aos olhos de todos, sob pena de parecer numa primeira análise perda de tempo com debate meramente acadêmico. Não é nem de longe o nosso caso.
Taxa é uma espécie de tributo que tem na sua materialidade uma atividade do Estado, servindo para remunerar o exercício do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, nos termos do art. 145, II, da Constituição Federal. Por ser espécie tributária, está submetida a um regime de direito público e a ela se aplicam todas as limitações constitucionais ao poder de tributar (princípios da legalidade, anterioridade nonagesimal e do exercício financeiro, sua cobrança segue o rito especial da Execução Fiscal, etc.).
O preço público está submetido a regime de direito privado, de natureza contratual, sendo imprescindível para a validade de sua cobrança a efetiva utilização do serviço prestado ao usuário, de modo que não se admite a cobrança de preço público pela utilização em potencial do serviço, como ocorre validamente com a taxa.
Atenção: digo desde logo que não vou adotar a diferença proposta por parte da doutrina entre preço público e tarifa. Para os que veem diferença, preço público é utilizado para quando o serviço e a cobrança forem realizadas diretamente pelo Estado, e tarifa quando a prestação e a cobrança forem feitas por particular concessionário ou permissionário daquele serviço. Usarei as duas expressões a partir de agora como sinônimos.
Na visão do direito financeiro, taxa é tipo de receita pública derivada, como todo tributo, ao passo que o preço público é tipo de receita pública originária. Disto decorre a diferença de tratamento que receberão do ordenamento jurídico, conforme analisaremos abaixo.
Percebe-se então que na taxa há o elemento da compulsoriedade de seu pagamento, quando estiverem presentes os requisitos previstos na Constituição e na legislação infraconstitucional (prévia lei instituidora, serviço público específico e divisível, etc.), o que não ocorre com o preço público, que por ser de natureza contratual, regido por normas de direito privado, pressupõe a facultatividade da adesão ao serviço.
Para o nosso debate nos interessa a taxa cobrada em razão dos serviços públicos. Peço a todos que verifiquem seus apontamentos ou livros de direito administrativo para que fique bem claro o que é serviço público. Sem que tenham isso bem definido, a discussão abaixo parecerá mais complexa do que realmente é.
Como exemplo de taxa, podemos citar o serviço público de coleta de lixo domiciliar. Caso este serviço público seja prestado pelo Estado, ou por quem lhe faça as vezes, mesmo que o usuário não o utilize, imaginemos que o administrado leve seus resíduos sólidos para reciclagem, o pagamento da taxa ainda assim será devido, pois existia a possibilidade de seu uso – o caminhão passou em frente a sua residência para coletar o lixo, ainda que nada tenha encontrado. No caso de um serviço remunerado por preço público, como os serviços de telefonia, somente com sua adesão ao contrato e a utilização dos mesmos é que nascerá a obrigação de pagar as respectivas tarifas. Existe para o usuário a faculdade de aderir ou não àquele contrato.
Vendo por este lado, outras diferenças saltam aos olhos. O serviço remunerado por taxa não pode ser suspenso em casos de inadimplência (não recolhimento do tributo), devendo o sujeito ativo credor utilizar-se da Execução Fiscal, diferentemente do que ocorre com os serviços renumerados por preço público, conforme nos alerta Renato Lopes Becho (2011, p. 281).
Visto a diferença entre taxa e tarifa, falta agora discutir o ponto principal e que está longe de encontrar sistematização uniforme na doutrina: qual serviço público pode ser remunerado por taxa e qual pode ser remunerado por tarifa?
Apenas para que possam entender a confusão que este tema causa na doutrina, abordarei aqui posicionamentos extremados e minoritários, de modo que para fins de concursos públicos deverão ser esquecidos, mas importantes de serem mencionado para ilustrar a situação pelo gabarito de quem os sustenta.
Renato Lopes Becho (2011, p. 267) divide os autores em dois grupos, ao menos: os que entendem que todo serviço público é objeto de taxas, negando a possibilidade jurídica de existirem preços públicos no ordenamento jurídicos brasileiro, e os autores que sustentam a concomitância, em nosso sistema jurídica, de taxas e preços públicos, sendo que em alguns casos não há opção deixada a cargo do legislador.
Para Geraldo Ataliba (1996, p. 140), por exemplo, é inconstitucional a cobrança de todo e qualquer preço público. Com entendimento nesse mesmo sentido, nos ensina Roque Antônio Carrazza (2010, p. 555) que todos os serviços públicos deveriam ser remunerados por taxa ou serem gratuitos, negando a possibilidade constitucional da cobrança de preços públicos. Outro nome de peso que segue entendimento mais extremado é José Eduardo Soares de Melo (2001, p. 56), que afirma categoricamente que a “prestação de serviço público deve ser necessariamente remunerada por taxas”.
Mesmo os que advogam a tese da possibilidade de cobrança das taxas e dos preços públicos para custear serviços públicos, não chegam a um critério único que nos informaria qual tipo de serviço seria remunerado por qual tipo de cobrança.
Durante um tempo, buscou-se utilizar os elementos caracterizados de serviço público da doutrina administrativista, que podem aparecer em conjunto ou não: a) elemento material (atividade inerente ao interesse coletivo); b) elemento subjetivo (presença do Estado na relação jurídica); e c) elemento formal (normas de regime público) (DI PIETRO, 2011, p. 99).
Contudo, atualmente com a evolução do direito administrativo, surgindo a presença da prestação de serviços por concessionários, permissionários, aplicação de regimes jurídicos híbridos e a dificuldade em se apontar objetivamente o que é interesse coletivo, levou ao abandono de tais critérios próprios do direito administrativo para que se buscasse um típico do direito financeiro e tributário (BECHO, 2011. 273).
Como nosso foco é dar um norte para aqueles que estão prestando provas para concursos públicos, é sempre recomendável pesquisar o que nos diz o Supremo Tribunal Federal acerca do tema.
Voltando um pouco no tempo e na jurisprudência do STF, verificaremos inicialmente que de acordo com seu antigo entendimento sumulado preço público e taxa são coisas distintas, senão vejamos:
STF Súmula nº 545 – Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e tem sua cobrança condicionada a prévia autorização orçamentária, em relação a lei que as instituiu.
Atenção que a parte final desta súmula está prejudicada de acordo com o ordenamento constitucional vigente, uma vez que não há mais a necessidade dos tributos se submeterem ao princípio da anualidade tributária, qual seja a autorização de sua cobrança naquele ano na Lei Orçamentária Anual. Apesar da parte final estar desatualizada, serve a súmula para deixar claro que o Supremo além de ver diferença entre tais institutos, parece apontar não só umas das principais características do taxa, mas também o que seria um critério diferenciador entre ambos: a compulsoriedade.
Como estamos buscando responder a indagação feita acima, qual seja entender o que justifica determinado serviço público ser remunerado por taxa enquanto outro é remunerado por tarifa, é curial que busquemos um critério diferenciador.
O critério da compulsoriedade é aceito por diversos doutrinadores (por todos, Paulo de Barros Carvalho, 2008, p. 382) e pode ser entendido de duas formas:
1. Um serviço público será remunerado por taxa se não puder o administrado licitamente obter de outro modo aquela comodidade por ele proporcionada. Caso haja uma outra alternativa lícita ao administrado para obter a comodidade almejada, sua adesão ao serviço é considerada facultativa, devendo ser remunerado por preço público; OU
2. Sempre que a contraprestação a cargo do sujeito passivo independer de sua efetiva utilização, bastando que o serviço público seja disponibilizado pelo Estado ou por um concessionário, advindo o vínculo diretamente da lei, estaremos diante de uma taxa; agora se for necessário um contrato, mesmo que verbal ou de adesão, podendo o usuário optar em não receber aquele serviço público, estaremos diante de um preço público.
O segundo critério é o mais utilizado pela doutrina moderna, recomendando-se sua utilização em provas de concurso público, em especial nas questões discursivas, pois possui a vantagem de não separar a possibilidade da cobrança de taxa ou de preço público em razão da pessoa que presta o serviço e nem procura investigar a natureza do serviço em si. Explico.
Então, onde não cabe o contrato, o serviço público será remunerado por taxa, pois não há que se falar em liberdade do usuário – trata-se de vínculo ex lege. Quando houver possibilidade de escolha por parte do administrado, aderindo ao contrato (seja ele de adesão, verbal, precedido de licitação ou não – exemplo: contrato de transporte coletivo), será o serviço remunerado por preço público.
Entendido o critério da compulsoriedade, começaremos a responder a pergunta feita acima (qual serviço público pode ser remunerado por taxa e qual pode ser remunerado por tarifa). De acordo com a doutrina e jurisprudência competirá ao legislador, dentro dos limites traçados pela Constituição. Não há discricionariedade do administrador público, posto que a competência recairá sobre o Poder Legislativo, e não sobre Executivo, para escolher qual o tipo de remuneração para determinado serviço público.
Nada impede, então, que os preços públicos sejam juridicamente transformados em taxas. José Eduardo Soares de Melo (2007, p. 85) nos explica o que será necessário para tanto: a) que se tornem, por lei, compulsórios; b) que os serviços a eles correspondentes sejam efetivamente prestados aos contribuintes, ou postos à sua disposição; e c) que aludidos serviços atendem aos requisitos da especificidade e divisibilidade.
Resta um último ponto a enfrentar: e o legislador, no exercício de sua competência, ele poderá escolher escolher qual serviço se submeterá ao cobrança de taxa ou de preço público?
O Supremo já esboçou uma resposta para esta pergunta. Vejamos o entendimento exarado pelo Ministro Carlos Velloso ao relatar o RE 209.365-3/SP, que adotou uma classificação ternária de serviço público, apontando em cada qual o tipo de remuneração que seria cabível:
1. Serviços públicos propriamente estatais: aqui o Estado atua com o exercício de soberania, de modo que tais serviços seriam indelegáveis. Desta forma, a única remuneração cabível aqui seria a taxa, pois submetida a regime jurídico de direito público. Exemplos: emissão de passaportes e a prestação de serviço jurisdicional.
2. Serviços públicos essenciais e de interesse público: são os serviços prestados no interesse da comunidade e que devem ser remunerados mediante taxa. Há aqui a preponderância do interesse público sobre o privado na prestação de tais serviços, de forma a atrair a incidência do regime público. Exemplos: serviço de coleta de lixo e de tratamento de esgoto.
3. Serviços públicos não essenciais: são serviços delegável que criam uma comodidade para o usuário, mas que se não forem prestados não causariam grande prejuízo para a comunidade. Exemplos: serviço postal e de telefonia.
Claro é que esse critério não sepulta de vez a discussão. Afinal, serviços de telefonia se não prestados não causariam grande prejuízo a população? Muitos até diriam que o serviço de comunicação está intimamente relacionado a imperativas de segurança nacional. A verdade é que o STF decide se determinado serviço será prestado ou não por taxa de forma casuística, pois nem mesmo a doutrina parece encontrar um critério que pudesse ser utilizado para solucionar a questão. Todavia, é ao menos um norte a seguir.
Então, o Poder Judiciário, em última análise o Supremo Tribunal Federal, será o controlador do critério de compulsoriedade adotado pelo Legislativo ao elaborar a lei regulamentadora do serviço público em questão, para analisar, caso a caso, se determinado serviço público é delegável ou não, para ver se possível sua remuneração por taxa ou preço público.
E qual é a natureza jurídica do pedágio?
Agora que toda a discussão foi vista por nós, ficará mais fácil discutir se o pedágio é taxa ou preço público. Antes de mais nada, fica aqui um pequeno comentário que até mesmo a palavra “pedágio” é criticada por alguns (por todos, BALEEIRO), posto que atualmente melhor seria falar em rodágio. Enfim.
A discussão sobre a natureza do pedágio nasce da Constituição, que dispõe o seguinte:
art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;
De acordo com a Constituição, mesmo se considerado tributo, sua cobrança será possível em razão da utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Seria, nesse caso, um tipo especial de taxa que somente poderia ser cobrada pela utilização efetiva de um serviço, não admitindo a cobrança pela simples disponibilização da rodovia em condições de tráfego.
Mauro Rocha Lopes (2010, p. 21) nos recorda que a jurisprudência do STF já considerou o pedágio taxa (RE nº 181.475), como também já entendeu ser preço público (ADI nº 800/MC). Então não é possível afirmar que o pedágio possui natureza jurídica apriorística de um ou outro instituto.
Diante deste impasse, retomamos o que foi dito acima: cabeça ao legislador decidir na lei que regulamentar o serviço em questão. Há quem aplique aqui o critério da compulsoriedade na primeira acepção trazida acima: se o usuário puder licitamente se deslocar do ponto A para o B, sem necessariamente se valer da rodovia com pedágio, este possuirá natureza de preço público; agora se para chegar ao seu destino o usuário tiver que se valer da rodovia com pedágio, sua natureza será de taxa.

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