As despesas do governo federal apresentaram aumento real de 6,6% no primeiro semestre em relação a igual período de 2012. Os desembolsos romperam a barreira do trilhão, atingindo exatos R$ 1,01 trilhão. É o que mostra levantamento realizado pela organização não governamental Contas Abertas com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).
A evolução das despesas mostra que o governo terá grande dificuldade em concretizar o corte de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões, cujo anúncio é prometido para esta semana, da forma como foi encomendado. A ordem é preservar investimentos e programas sociais e apontar a tesoura para gastos de custeio da máquina pública. O que se vê na prática, é que os investimentos estão estagnados, enquanto as demais despesas sobem.
Os gastos com investimento somaram R$ 20,5 bilhões no primeiro semestre deste ano, ante R$ 20,3 bilhões em igual período de 2012, um avanço de apenas 1% acima da inflação. Em comparação com 2010, o ano do “pibão” de 7,5%, os investimentos estão 12,7% menores, em termos reais. “É um desempenho pífio”, comentou o secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Investimentos – Dos R$ 90,2 bilhões disponíveis para investir, apenas R$ 19 bilhões haviam cumprido, até junho, a primeira etapa do processo de gasto, o empenho, que consiste em reservar a verba para pagar um contrato específico. Apenas R$ 3,7 bilhões foram pagos, ou seja, foram desembolsados mediante a entrega de um bem ou serviço ao governo.
Porém, nesse período foram liberados outros R$ 16,8 bilhões para pagar investimentos contratados com verbas de orçamentos de anos anteriores, os chamados restos a pagar.
Os dados do Contas Abertas são diferentes dos dados do Tesouro e do Planejamento, porque não consideram os gastos com o programa Minha Casa Minha Vida como investimento, e sim como custeio. Ainda assim, a estabilidade dos investimentos foi admitida pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, na divulgação do balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no mês passado. Uma das causas é o atraso na aprovação do Orçamento pelo Congresso.
Minha Casa – O programa habitacional é um dos fatores que puxam as despesas para cima. O levantamento do Contas Abertas mostra um crescimento real de 25,3% nas despesas com inversões financeiras, que é onde ele contabiliza os subsídios à aquisição da casa própria pela população de baixa renda. Essa conta atingiu R$ 29,6 bilhões, ante R$ 23,7 bilhões na primeira metade de 2012.
Os gastos crescem também puxados pelos efeitos do aumento do salário mínimo, aponta Castello Branco. Ele influencia os gastos com aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais a idosos e deficientes físicos de baixa renda.
Contenção – Há, assim, um conjunto de despesas que já estão contratadas e não há como impedir seu crescimento. É por essa razão que o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, calcula que os gastos federais vão crescer este ano, mesmo se houver um corte de R$ 25 bilhões, como chegou a defender a equipe econômica no início das discussões.
Ele acredita que o ajuste a ser anunciado nos próximos dias será calcado na reestimativa, para baixo, de alguns itens de despesa. E, ao contrário do discurso oficial, haverá contenção de investimentos. “A verdade é que o governo nunca consegue fazer, nem de longe, os investimentos orçados”, comentou Montero.
Ou seja: por dificuldades gerenciais que provocam atrasos, os ministérios invariavelmente gastam menos do que o autorizado nesses projetos. Assim, há uma contenção involuntária nos desembolsos. Bastaria, portanto, fazer o mesmo de sempre, só que dessa vez “por ajuste, e não por incompetência.”
A evolução dos gastos de pessoal, que aumentaram apenas 0,3% em termos reais neste ano, mostra que há pouco espaço para cortes adicionais nessa rubrica. Ali, o aperto já foi feito.
Promessas de corte de custeio devem ficar apenas no papel
A julgar pelo que ocorreu em 2011, o primeiro ano do governo de Dilma Rousseff, um eventual corte em despesas de custeio com pessoal e seguro-desemprego, como vem sendo analisado, deverá ficar só na intenção. Naquele ano, também foram anunciadas contenções nesses itens para compor um bloqueio total de R$ 50,1 bilhões. Entretanto, algumas despesas do governo aumentaram em vez de cair.
O Relatório de Avaliação do Cumprimento de Metas Fiscais de 2011 mostra, por exemplo, que os gastos com abono e seguro-desemprego fecharam o ano em R$ 34,2 bilhões. Porém, o governo prometeu baixar a despesa para R$ 27,1 bilhões, combatendo as fraudes no programa.
O valor que constava do orçamento aprovado pelo Congresso, sobre o qual foram feitos os cortes, era de R$ 30 bilhões. Nos gastos com pessoal, o valor autorizado pelo Legislativo era de R$ 183 bilhões. O governo cortou a estimativa para R$ 179,5 bilhões e depois para R$ 179,1 bilhão. Mas acabou gastando R$ 181,4 bilhões, mostra o relatório.
Receitas atípicas – A meta de resultado das contas públicas de 2011 até foi cumprida, mas não com a composição prometida. Foi obtida, basicamente, com recolhimento de receitas “atípicas” e contenção de investimentos.
O relatório registra, por exemplo, uma frustração de 23,41% na realização do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na ocasião, deixaram de ser executados R$ 8,6 bilhões em investimentos prioritários.
Isso, apesar do desejo de “bombar” o programa. Quando os cortes estavam em preparação, a presidente havia sido taxativa: “Nós não vamos, nós não vamos – vou repetir três vezes – nós não vamos contingenciar o PAC.”
O programa, de fato, não foi contingenciado. Mas foi atrapalhado por dificuldades de outra ordem, a principal delas a faxina que dizimou a cúpula do Ministério dos Transportes.
Dívida pública – O resultado das contas públicas é um item sob administração do Tesouro Nacional que se beneficia de operações atípicas. Os balanços sobre o perfil da dívida pública mobiliária federal mostram bons resultados à custa de manobras no bastidor, revela estudo elaborado pelo economista Felipe Salto, da consultoria Tendências. “Só não dá para falar que é maquiagem porque dá para a gente ver o que aconteceu”, disse Salto.
Ele sustenta que, por trás dos números que mostram um endividamento de boa qualidade e bem comportado, está o Banco Central rolando a dívida pública (uma tarefa que seria do Tesouro). “A consequência disso é que estamos tendo uma despesa enorme de juros em troca de nada.” Questionado, o Banco Central informou que não comenta o estudo.
Dizem os manuais de economia que dívida pública boa é aquela que tem prazos longos e cujos juros, além de baixos, são prefixados, ou seja, o governo sabe de antemão quanto vai pagar. O governo passou a perseguir esse perfil de dívida nos anos 1990, depois de muitos anos com a dívida fora de controle, rolada diariamente com juros pós-fixados.
A dívida mobiliária interna brasileira evoluiu bastante na direção dessas boas práticas, de forma que os títulos pós-fixados, as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), corrigidos conforme a taxa de juros básica Selic, representavam apenas 22,56% do total em maio passado. A maior parte dos papéis tem correção mais favorável ao Tesouro: ou são prefixados ou corrigidos por índices de inflação. O prazo médio do estoque estava em 4,19 anos. “O problema é que o mercado demanda papéis atrelados à Selic”, disse. “E o Banco Central vem suprindo.” Ele disse que não tem como provar isso. “Mas há evidências.” A principal delas está nas chamadas operações compromissadas.