Quem se preocupa com o equilíbrio das contas públicas deve dedicar alguns momentos à leitura de um importante estudo do Banco Central, divulgado em boxe do Relatório Trimestral de Inflação de março, de apenas três páginas. Até agora, todos acompanham o resultado primário das contas públicas – que é a diferença entre as receitas e as despesas, excluídos os gastos com o pagamento de juros das dívidas – para identificar o efeito que os gastos do governo têm sobre a demanda agregada da economia e, em última análise, sobre a inflação.
Pela primeira vez, ele oferece, em sua análise, uma nova metodologia, chamada de “resultado estrutural”. No boxe, o BC informa que o impulso fiscal e o impacto das ações discricionárias do governo (sobre a demanda agregada) devem ser medidos pela variação do resultado estrutural entre dois períodos. Portanto, o BC mudou a régua, o medidor da política fiscal.
O “resultado estrutural” não é uma invenção do Banco Central brasileiro. É uma metodologia utilizada por vários países e conta com o respaldo do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele desconsidera as alterações em receitas e despesas decorrentes dos ciclos econômicos e as receitas e despesas extraordinárias, ou seja, aquelas que não são recorrentes. Essa exclusão, segundo o BC, permite avaliar a postura da política fiscal em determinado período: se ela é expansionista, contracionista ou neutra.
Para entender melhor a importância desse movimento feito pelo Banco Central é importante lembrar que a desconfiança sobre o resultado primário começou quando o governo introduziu na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), em meados da década passada, a possibilidade de descontar os investimentos prioritários da meta fiscal. O mercado passou a diferenciar a meta de superávit “cheia” (sem os descontos dos investimentos) e a meta com os ajustes. Saber se o governo perseguiria a meta “cheia” passou a ser fundamental para se avaliar o impulso fiscal em determinado ano.
Pouco tempo depois, o governo passou a defender uma política fiscal anticíclica. O objetivo era ajustar o resultado fiscal aos ciclos econômicos, pois em momentos de forte crescimento é muito mais fácil cumprir a meta fiscal do que em período de baixo crescimento. A ideia era fazer um superávit primário maior em momentos de expansão econômica acelerada e menor, com a economia em desaceleração ou com baixo crescimento.
Em anos recentes, no entanto, o governo passou a utilizar, com maior frequência, receitas extraordinárias, não recorrentes, para a obtenção da meta fiscal e outros mecanismos pouco ortodoxos, como a antecipação de dividendos de empresas estatais e parte da receita advinda da cessão onerosa para a Petrobras de 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal. Todas essas receitas extraordinárias e suas correspondentes despesas são desconsideradas quando se utiliza o conceito de “resultado estrutural”.
Com a nova metodologia, o BC estimou que, nos últimos cinco anos, a política fiscal do governo foi contracionista apenas em 2011. Em 2008, mesmo com o elevado superávit primário de 3,42% do Produto Interno Bruto (PIB), ela foi neutra. E foi expansionista nos outros três anos. No boxe, a autoridade monetária aconselha os analistas a utilizar a metodologia do resultado estrutural para avaliar a política fiscal deste ano.
Se o governo vier a cumprir a meta fiscal “cheia” de 3,1% do PIB, ou seja, sem os descontos dos investimentos e das desonerações tributárias, a política fiscal será contracionista, constata o BC. Mas se o superávit primário ficar no patamar que os analistas do mercado estão apostando, de 2,2% do PIB, a avaliação do BC é que o impulso fiscal será neutro.
O Banco Central não informou quais foram as receitas extraordinárias que ele excluiu em seus cálculos para o resultado estrutural. Também não informou qual foi o valor do superávit primário encontrado pela nova metodologia para cada um dos anos analisados e nem qual será aquele que, neste ano, pode ser considerado como neutro. Mesmo assim, é muito mais razoável utilizar, daqui para frente, o resultado estrutural como medida do efeito da política fiscal sobre a economia. Pois, por definição, ele exclui a “contabilidade criativa”.