É difícil discordar de medidas que reduzam os impostos em um país com carga tributária tão elevada quanto o Brasil. Mas o programa de desoneração da folha de pagamentos parece ter ido longe demais, sem falar que tudo indica que esteja criando uma verdadeira bomba de efeito retardado.
Até mesmo o governo parece concordar com isso. O Valor (18/3) apurou que o governo deve vetar boa parte dos 33 setores incluídos pelo Congresso na lista dos beneficiados pela desoneração da folha de pagamento, elevando a 75 o total de favorecidos.
A desoneração da folha de pagamentos faz parte do Plano Brasil Maior, lançado em agosto de 2011, com a substituição da contribuição patronal para a previdência de 20% sobre a folha por 1% ou 2% sobre o faturamento, com o objetivo de reduzir o custo da mão de obra e, portanto, da produção, e gerar mais empregos formais.
Quatro setores foram beneficiados inicialmente: confecções, calçados, móveis e software. Em abril de 2012, na segunda fase do Plano Brasil Maior, o número de setores foi ampliado para 15; depois o governo agregou mais dez e, no fim de 2012, mais dois grandes empregadores, varejo e construção civil.
O governo consolidou essas benemerências na Medida Provisória (MP) 582, enviada ao Congresso em setembro e finalmente aprovada em fevereiro por deputados e senadores, que incluíram mais 33 setores, tão distintos como empresas de transporte ferroviário e metroviário de passageiros, empresas jornalísticas a fabricantes de bombas, granadas e equipamentos hospitalares.
A presidente Dilma Rousseff deve, na próxima semana, sancionar a medida, que passou a beneficiar nada menos do que 75 setores. Mas o próprio governo começa a ficar preocupado e acena em vetar algumas inclusões por mais que isso pareça impopular.
Há várias questões no ar. Uma delas é resultado da medida, que ainda carece de comprovação. Não foi devidamente avaliado se a desoneração da folha está atingindo os objetivos a que se propõe; e talvez isso demande mais tempo. Sabe-se que a indústria, que teve mais setores beneficiados e há mais tempo, registrou desempenho ruim em 2012. Um dos primeiros favorecidos, o têxtil, informou que a desoneração melhorou a competitividade, mas não o suficiente para concorrer com os produtos importados e não evitou a demissão de 7,7 mil funcionários no ano passado (Valor, 28/2). Nas mesmas condições está o setor de calçados, que demitiu 11,4 mil em 2012. Neste início de ano, porém, os dois setores foram os principais criadores de vagas formais, depois da área de serviços; e começam a dar sinais de reação na produção e no comércio exterior (Valor, 25/3). Mas isso precisa ser avaliado por um período mais longo.
A outra questão importante a checar é a dimensão do impacto fiscal, especialmente com a ampliação das áreas beneficiadas. E essa discussão é igualmente nebulosa. Nos debates na Câmara dos Deputados e no Senado, os legisladores sempre repetiam que a renúncia fiscal com a aplicação do benefício aos 75 setores somaria R$ 16,48 bilhões ao longo de cinco anos, de 2013 a 2017.
Cálculos do governo indicam, no entanto, que esse seria o impacto aproximado em apenas um ano. Ao enviar a MP ao Congresso, em setembro, o governo estimava o impacto em R$ 12,8 bilhões. Em janeiro, antes da inclusão pelo Congresso de mais 33 setores beneficiados, o ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho, disse que a desoneração reduziria em R$ 16 bilhões a arrecadação deste ano, em entrevista à “Folha de S. Paulo” (24/1).
Não há uma avaliação precisa a respeito do rombo que a medida vai causar na Previdência. Uma coisa é certa: o Tesouro cobrirá o buraco. Já em dezembro, o Tesouro transferiu à Previdência R$ 1,79 bilhão a título de compensação pela desoneração, mas deveria ter repassado R$ 4,3 bilhões.
Aparentemente, esse é um rombo que não tem volta: não se prevê o retorno ao regime anterior quando a economia se recuperar. Na verdade, os congressistas tornaram a adesão ao modelo uma opção que pode ser mudada no início de cada ano fiscal, o que cria incríveis dificuldades de fiscalização.
Assim, o déficit causado pela desoneração da folha corre o risco de se perpetuar como ocorreu com o da previdência do trabalhador rural, que também seria coberto pelo Tesouro. No ano passado, a previdência do trabalhador urbano teve superávit de R$ 24,5 bilhões, engolido pelo déficit de R$ 65,4 bilhões do trabalhador rural, deixando na conta final da Previdência um buraco de R$ 40,8 bilhões.