Recentes decisões vêm sendo proferidas no âmbito judicial a respeito da interpretação e aplicação de norma contida em tratados internacionais assinados pelo Brasil para evitar a bitributação em matéria de imposto de renda, particularmente o artigo 7º dessas convenções internacionais que trata do que se chama de “lucros das empresas”, baseado no modelo de convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A regra estipula que, salvo casos de “royalties” ou serviços que envolvam transferência de tecnologia, os “lucros” obtidos por uma empresa estrangeira que atua no Brasil somente devem ser tributados pelo Imposto de Renda no país sede da empresa no exterior, a não ser que a atuação no Brasil se dê por meio de um estabelecimento permanente, hipótese na qual poderá haver a tributação em ambos os Estados. São esses dois conceitos – “lucros das empresas” e “estabelecimento permanente” – que vêm sendo recentemente debatidos pelo Poder Judiciário e merecem comentários mais detalhados.
A Receita Federal, por meio do Ato Declaratório (Normativo) COSIT nº 01/2000, entende que o conceito de “lucros” deve ser o da legislação do Imposto de Renda no Brasil, ou seja, o lucro real para fins de apuração do imposto (lucro líquido ajustado por adições e exclusões), previsto no artigo 247 do Regulamento do Imposto de Renda. Assim, os valores remetidos pela empresa ao exterior, como seriam meros “rendimentos” e não “lucros”, não se sujeitariam à regra do artigo 7º dos tratados baseados no modelo da OCDE, devendo portanto haver a sua tributação pelo imposto de renda retido na fonte no Brasil.
Com o devido respeito, tal interpretação acaba por tornar letra morta o dispositivo da convenção internacional que visa evitar a dupla tributação. A se aceitar essa posição como válida, deve-se considerar que todos os valores enviados do Brasil ao exterior para pagamento de alguma prestação de serviço sem transferência de tecnologia, por exemplo, seriam tributados no Brasil na medida em que nunca o valor em si será efetivamente o lucro da empresa no exterior, mas sempre um rendimento que se juntará a outros tantos e que serão ajustados para se chegar finalmente ao lucro no exterior a ser tributado no país sede da empresa.
O lucro por atividade realizada no Brasil só pode ser tributado no domicílio no exterior
Para aplicação do artigo 7º dos tratados deve-se comprovar que não há atuação da empresa no Brasil por meio de estabelecimento permanente. A definição de estabelecimento permanente, como proposta pelo modelo da OCDE, prevê uma instalação fixa de negócios em que a empresa exerça toda ou parte de sua atividade. Afastado o caráter de estabelecimento permanente, os lucros pela atividade realizada no Brasil somente poderão ser tributados no domicílio da empresa no exterior. Trata-se de exclusão da competência brasileira acerca da tributação sobre a renda da empresa estrangeira.
Feitos esses breves esclarecimentos, comentamos algumas decisões judiciais que estão sendo proferidas pelos Tribunais Regionais Federais (TRFs) do Brasil. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que abrange os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, por meio de sua 3ª Turma Especializada, e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que abrange os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, por meio de sua 6ª Turma, proferiram recentes decisões no sentido de que o valor pago pela prestação de um serviço não poderia ser tido como lucro, porquanto se constituiria parcela da receita recebida que poderá compor o lucro, após as adições e exclusões determinadas pela legislação interna. Nesses casos, houve interpretação e aplicação pura e simples do conceito de lucro real no Brasil. A questão não foi abordada com maior amplitude, não se atentando para o conceito de lucros das empresas para fins dos tratados internacionais.
Entendemos que tal interpretação simplista da questão merece ser revista. Tanto é verdade, que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável por analisar questões de natureza infraconstitucional, por meio de sua 2ª Turma, ao analisar o primeiro caso sobre a matéria, por unanimidade decidiu negar provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional contra um acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (STJ, REsp nº 1.161.467/RS, 2ª Turma, DJ 01.06.2012). A decisão se deu no sentido de que os valores pagos à empresa estrangeira devem ser interpretados como sendo lucro da empresa no exterior. O lucro, para fins de intepretação e obediência aos tratados internacionais, deve ser o resultado ou rendimento decorrente da exploração de um negócio.
Essa decisão do STJ representa relevante precedente e deverá orientar os demais julgadores nessa questão de direito tributário internacional. É isso que esperam os contribuintes para prevalecer a aplicação do artigo 7º dos tratados baseados no modelo da OCDE, afastando-se a retenção do Imposto de Renda sobre os lucros da empresa no exterior.