Foi publicada em 31/10/2011 a Lei 12.514, a qual trata, em seus artigos 4º ao 11, do fato gerador e dos valores devidos aos conselhos profissionais (CRM, CRO, CRA, CRC, CREA etc.), tanto pelas pessoas físicas como jurídicas , tais como anuidades e multas.
Em síntese, a nova lei prevê as seguintes regras:
– Art. 4º: autoriza a cobrança, pelos conselhos, de (I) multas por violação da ética, conforme disposto na legislação, (II) anuidades; e (III) outras obrigações definidas em lei especial;
– Art. 5º: Estabelece a hipótese de incidência (fato gerador) das anuidades, como sendo “a existência de inscrição no conselho, ainda que por tempo limitado, ao longo do exercício”;
– Art. 6º: Estabelece os valores das anuidades a serem cobradas pelos conselhos:
I – para profissionais de nível superior: até R$ 500,00 (quinhentos reais);
II – para profissionais de nível técnico: até R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais); e
III – para pessoas jurídicas, conforme o capital social, os seguintes valores máximos:
a) até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais): R$ 500,00 (quinhentos reais);
b) acima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais): R$ 1.000,00 (mil reais);
c) acima de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais): R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais);
d) acima de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais): R$ 2.000,00 (dois mil reais);
e) acima de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e até R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais): R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais);
f) acima de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) e até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais): R$ 3.000,00 (três mil reais);
g) acima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais): R$ 4.000,00 (quatro mil reais).
O § 1º deste art. 5º prevê que os valores das anuidades serão reajustados de acordo com a variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC-IBGE, ou pelo índice oficial que venha a substituí-lo.
O § 2º do mesmo dispositivo estabelece que “o valor exato da anuidade, o desconto para profissionais recém-inscritos, os critérios de isenção para profissionais, as regras de recuperação de créditos, as regras de parcelamento, garantido o mínimo de 5 (cinco) vezes, e a concessão de descontos para pagamento antecipado ou à vista, serão estabelecidos pelos respectivos conselhos federais”.
Tendo em vista a natureza tributária das anuidades, entende-se que o referido § 2º do art. 5º implicou em inconstitucional delegação de competência tributária, uma vez que o Código Tributário Nacional – CTN é expresso em exigir lei não apenas para a instituição do tributo, mas também para a atuação administrativa de cobrança, que é plenamente vinculada (arts. 3º e 142). Assim, salta aos olhos que os próprios conselhos poderão legislar sobre parcelamento e isenção, categorias que estão sob a reserva absoluta de lei, conforme prevêem os arts. 97, VI, 155-A e 176, todos do CTN.
– Art. 7º: Autoriza os conselhos a deixar de promover a cobrança judicial de valores inferiores a 10 (dez) vezes o valor de que trata o inciso I do art. 6º, ou seja, inferiores a R$ 5.000,00.
– Art. 8º: Determina que os Conselhos não executarão judicialmente dívidas referentes a anuidades inferiores a 4 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente. Esta regra não limitará a realização de medidas administrativas de cobrança, a aplicação de sanções por violação da ética ou a suspensão do exercício profissional.
As regras dos arts. 7º (facultativa) e 8º (imperativa) são de extrema importância, pois é notório que a Justiça Federal está sobrecarregada em virtude do ajuizamento, por parte dos conselhos, de milhares de execuções fiscais de valores irrisórios.
– Art. 9º: Estabelece que “a existência de valores em atraso não obsta o cancelamento ou a suspensão do registro a pedido”.
Esta previsão está em harmonia com a jurisprudência do STF, pela qual o fisco não pode utilizar meios coercitivos indiretos na cobrança de tributos. Nesse sentido, a inteligência das Súmulas 70 (“É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”) e 323 (“É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”).
As anuidades dos conselhos profissionais possuem natureza jurídica tributária, sendo que, nos termos do art. 149 da CF/88, a espécie é de contribuição especial e a subespécie é de contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Diante disso, a sua instituição e cobrança deve observar todo o regime jurídico tributário brasileiro, o qual compreende os princípios e regras constitucionais e também as normas gerais estabelecidas pelo Código Tributário Nacional.
Como exemplos, registre-se a necessidade de lei complementar para a definição do fato gerador, base de cálculo e contribuintes, uma vez que o art. 149 da CF/88 é expresso em exigir a observância do art. 146, III, também da Constituição. Como é cediço, o histórico da instituição das contribuições profissionais e corporativas revela que estes requisitos sempre foram olvidados.
É certo que, na ausência de lei complementar de normas gerais, o legislador ordinário tem a competência legislativa plena para instituir o tributo, como entende de forma majoritária a doutrina e a jurisprudência do STF. A instituição do tributo, observado o princípio da legalidade tributária, exige a previsão, na lei, de toda a estrutura da regra-matriz de incidência tributária, o que compreende a hipótese de incidência (“fato gerador”) – com seus critérios material (situação abstrata tributável), temporal (momento de ocorrência do fato gerador) e espacial (local de ocorrência do fato gerador) – e omandamento, o qual abrange o critério subjetivo (sujeito ativo e sujeito passivo) e o critério objetivo (objeto da relação tributária, composto pela base de cálculo e alíquota).
Essa exigência é revelada pelo art. 97 do CTN, dispositivo que apenas dispensa a previsão, na lei, das indicações de como, quando e onde o sujeito passivo deve pagar o tributo o que, portanto, pode, na dicção do CTN, ser estabelecido por normas infralegais (no caso, as normas internas dos conselhos).
No entanto, no caso das presentes contribuições, sempre se verificou apenas a definição do fato gerador (estar inscrito) e, por consequência, do contribuinte (aquele que está inscrito), sendo a legislação omissa na definição da base de cálculo, haja vista que o texto estabelece diretamente o valor da anuidade devida. Essa irregularidade implica em flagrante arbítrio, uma vez que, pela Teoria Geral do Direito Tributário, a base de cálculo sempre deve ser uma medida econômica do critério material da hipótese de incidência. Ou seja, a base de cálculo deve ser a perspectiva econômica do fato gerador.
Este aspecto continua omisso na Lei 12.514, o que deverá – em conjunto com outras eventuais questões verificadas a partir de uma maior e melhor reflexão sobre o tema – ser objeto de análise pela doutrina e pelo Poder Judiciário, quando provocado a decidir sobre a matéria.
Lembro que o Poder Judiciário tem decidido que, pela natureza tributárias destas contribuições, é ilegal a cobrança com base em resoluções internas dos conselho, conforme ocorre no regime jurídico existente até então. Diante disso, o valor a ser cobrado é o previsto na última lei sobre a matéria, a Lei 6.994/82 que, com as alterações posteriores nos índices, é de 35,7265 UFIR’s, o que equivale a aproximadamente R$ 38,00 (trinta e oito reais).
Daí a razão da edição da nova lei, para corrigir o problema da ausência de previsão legal, pelo menos para os fatos geradores futuros. Assim, os contribuintes ainda têm legitimidade para propor ações de restituição dos valores pagos a maior (indébito tributário) nos últimos cinco anos.
Como se trata, na Lei 12.514/2011, de tributo novo (majorado), a cobrança só poderá ser feita para os fatos geradores (existência de inscrição) ocorridos no ano seguinte e no mínimo a partir de 90 dias, ou seja, a partir de 30/01/2012, posto que as contribuições sujeitam-se tanto ao princípio da anterioridade do exercício seguinte como à anterioridade mínima de noventa dias, conforme previsto, respectivamente, nas alíneas “b” e “c” do inciso III do art. 150 da CF/88. Assim, entendo que a anuidade de 2012, pelos valores da nova lei, deverá ser proporcional, já que a nova lei só produzirá efeitos para as inscrições (fato gerador) existentes a partir de 31/01/2012.
Por fim, registro que o STF e o STJ possuem entendimento pelo qual as anuidades devidas à OAB – Ordem dos Advogados do Brasil – não possuem natureza tributária e, nessa condição, não estão sujeitas ao regime jurídico tributário nem à legislação aplicável aos conselhos profissionais. É que os tribunais superiores entenderam que a atuação da OAB e dos advogados ultrapassa os interesses da respectiva categoria profissional, uma vez que a advocacia representa função necessária à coletividade em geral, viabilizadora do Estado Democrático de Direito. As contribuições profissionais de natureza tributária, ao contrário, visam o custeio apenas dos interesses da própria classe.
Embora a premissa do interesse público seja verdadeira, o entendimento, com a devida vênia, é critícável por não autorizar a conclusão, uma vez ser inequívoco que a atuação, por exemplo, dos médicos, contadores e engenheiros, também tem relevância nacional e é de interesse de toda a coletividade. No entanto, não há perspectiva de alteração deste entendimento, pelo que a Lei nº 12.514/2011 não altera a relação dos advogados com a OAB.